Chiko Kuneski
Na
sua crônica de domingo Mauro Pandolfi usou a memória afetiva para externar como
o lúdico que envolve o futebol encantou sua infância/adolescência. E o título
não podia ser mais feliz: “meninos de Kichute”. Quem já chegou aos 50 sabe o
valor que era ter um Kichute com travas de borracha. As chuteiras eram para os
profissionais.
Mas,
pegando uma carona no Kichute do Mauro Pandolfi, minha infância tinha, além do
calçado, outro objeto de desejo. A “laranjinha”. Laranjinha era um refrigerante
nacional que tentava rivalizar com o Cruch. Vinha em garrafas de 200 ml e
matava a sede depois das peladas dos meninos da rua. Isso quando se tinha
dinheiro para pagar ou a autorização dos pais para “por na conta”.
A
turma do Beco, que na verdade era uma rua com saída que dava no descampado de
barro, a beira-rio e bem abaixo de um barranco, que unia três ruas, se
encontrava nessa “covanca”, transformada em campo de pelada. As traves eram de
eucalipto, sem redes e as dimensões poderiam ser o que atualmente se chama de
“futebol sete”. Mas era o nosso campo. O “covanca”.
Como
futebol sem rivalidade não existe, depois de muitas peladas que misturavam os
da rua da direita, com os da rua do meio e da rua da esquerda em amistosos de
puro prazer, alguém resolveu que, como os adultos nos casados contra solteiros
que terminavam em cervejada, tínhamos que montar dois times e jogar “às veras”.
O cobiçado troféu seria uma caixa com 36 laranjinhas. Somente os vencedores
beberiam o refrigerante. Aos perdedores caberia a água da bica.
Alguém
teria que montar os times rivais. Eu e o Kido, amigo da rua da esquerda, como
somos deficientes físicos, acabamos sendo os técnicos. Destino interessante e
sabedoria infantil, aos dois que não poderiam ganhar as laranjinhas jogando
coube o direito de escolher quem as ganharia vencendo a partida.
Pela
primeira vez os amigos da “turma do beco” levaram o futebol a sério. Durante
uma semana foram conversas ao pé do ouvido, encontros, conchavos buscando os
melhores para seu time. No sábado mágico, com a caixa de laranjinhas, comprada com
dinheiro de uma “vaquinha” de todos, garantida, e ai estava o melhor sentido
dessa disputa, veio a contenda.
O
jogo mais pareceu um clássico, até com juiz, um adulto para impor respeito,
disputado a cada lance, a cada bola, a cada jogada. O Time do Kido tinha o
Farias, mais velho, mais forte, o craque e goleador do barro do “covanca”. Mas
o que eu montei tinha o Maninho, baixo, troncudo e veloz, um “carrapato” no
próprio conceito de volante de marcação, muito tempo antes de saber que isso
existiria.
Naquele
jogo, como se fosse uma decisão de mundial das três ruas do Beco, as 36
laranjinhas valiam bem mais que a diversão de jogar futebol. O craque tudo
tentou, mas o volante não deixou a bola passar dentro da marca dos três paus de
eucalipto. Tudo acabou na “venda do “seo Venâncio” com as 36 garrafinhas de
laranjinha sendo saboreadas por todos da Turma do Beco, no melhor zero a zero
da minha vida.
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