domingo, 8 de março de 2015

Meninos de Kichute

Mauro Pandolfi

"O tempo não para. Só a saudade é que faz o tempo parar..." 

                                                                   Mário Quintana.


O passado é teimoso. Nunca passa. Sempre esquece que passou. Olhe aí! Preste atenção, feche os olhos, relaxe e, surpresa, o passado está presente. Numa foto, numa lembrança, numa cena, num olhar. Voltei aos quatorze anos, estes dias, ao assistir o ótimo Meninos de Kichute. É como se fosse o filme da minha adolescência.

O time da rua, a escola, os amigos e a viagem de mudança para nunca mais voltar. 1974, aqui vou eu! Vou botar o meu bloco na rua, ler Charlie Brown e jogar como Carlos Babington (um dez daqueles que detesto hoje em dia). Meu amigo Bolacha preferia Cruyff.

Copacabana nunca me enganou. O lugar mais próximo do paraíso que conheci. Lá morei onze anos, fiz amigos, curti as primeiras namoradinhas e as festinhas embaladas por Roberto Carlos, Beatles e um grupo estranho de gente, e nome, esquisito: Secos e Molhados. Enfrentei muitas filas para assistir Mazzaropi e o Gordo e o Magro no Tamoio. E uma paixão nunca confessada: adorava os filmes do Trinity. Bons tempos aqueles, hein?

A bola é a vida deste blog. O encanto de Copacabana era o Vermelhão. O antigo areião que transformou-se no campo do Internacional. Depois, como o Colorado passou a jogar no Municipal, o Vermelhão foi abandonado ao vento. Virou campo de ninguém, de todos. O nosso Maracanã.

Como era bom jogar lá. Não era só um menino com sonho. Era um jogador. Afinal, tamanho oficial, traves e arquibancadas. Algumas vezes corri de braços abertos, balbuciando algo em busca do aplauso imaginário. Também, ouvi broncas, reclamações por um gol perdido. Não era a torcida. Eram os parceiros de time. "Pqp! Não dá para perder um gol destes, Maurinho!". Abel era o meu crítico mais feroz.

Oi, girando! Oi, girando! O campo ficou redondo para a gang de Johan Cruyff. Todos em todos os lugares. Espaço e tempo em um outro conceito. Bolacha, que era o principal líder do time, ficou encantado com a Holanda. Passou a Copa toda falando da Laranja Mecânica. No dia do jogo contra o Brasil, a sala da casa da dona Lucinda, mãe do Bolacha, ficou lotada. Divididos entre a paixão do Bolacha pela Holanda e o 'nosso' patriotismo. 'Ame-o ou deixe-o" dizia o adesivo colado na caderneta escolar. Por instantes, preferirmos o 'deixe-o'. Uma grande escolha.

Ah, gira, girou! Nunca tinha visto um time como aquele. Entendi o encantamento do Bolacha. Neeskens, Resembrink, Johnny Rep e seus amigos rodavam num carrossel mágico, igual aos dos parques que invadiam Lages de tempos em tempos. A vitória laranja virou uma festa. Gritos, pulos que irritaram seu Jeremias, pai do Bolacha. "Piás de merda! Cadê o patriotismo?", reclamou. No Boldo, uma espécie de Pacaembu, imitamos a Laranja Mecânica. Treinamos as movimentações, as trocas de posições, o passe rápido, a velocidade e a obsessão pelo gol. Fui Cruijff durante uns meses. A minha camisa era a 14. Aos poucos, a Copa foi se tornando saudades. Saudades que tenho até hoje.

O dia chegou. Julho de 1975. Um domingo. Passei com a turma da rua Irma Laurinda. Fui ao cinema, no bailinho do Juvenil, no bolão do Princesa. Terminamos a noite no bar do seu Chico, que ficava perto de nossas casas. Às onze da noite dei um abraço forte, fraternal, final nos amigos. Acompanhei todos indo embora. É a última imagem que tenho deles. O tio Danilo nos levou à rodoviária. Lages foi ficando para trás, longe. Mas, sempre volta em sonhos e lembranças. Pena que aquele tempo ficou naquele tempo.


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