Mauro Pandolfi
"O tempo não para. Só a saudade é que faz o tempo
parar..."
Mário Quintana.
O passado é teimoso. Nunca passa. Sempre
esquece que passou. Olhe aí! Preste atenção, feche os olhos, relaxe e,
surpresa, o passado está presente. Numa foto, numa lembrança, numa cena, num
olhar. Voltei aos quatorze anos, estes dias, ao assistir o ótimo Meninos de
Kichute. É como se fosse o filme da minha adolescência.
O time da rua, a escola, os amigos e a
viagem de mudança para nunca mais voltar. 1974, aqui vou eu! Vou botar o meu
bloco na rua, ler Charlie Brown e jogar como Carlos Babington (um dez daqueles
que detesto hoje em dia). Meu amigo Bolacha preferia Cruyff.
Copacabana nunca me enganou. O lugar mais
próximo do paraíso que conheci. Lá morei onze anos, fiz amigos, curti as
primeiras namoradinhas e as festinhas embaladas por Roberto Carlos, Beatles e
um grupo estranho de gente, e nome, esquisito: Secos e Molhados. Enfrentei
muitas filas para assistir Mazzaropi e o Gordo e o Magro no Tamoio. E uma
paixão nunca confessada: adorava os filmes do Trinity. Bons tempos aqueles,
hein?
A bola é a vida deste blog. O encanto de
Copacabana era o Vermelhão. O antigo areião que transformou-se no campo do
Internacional. Depois, como o Colorado passou a jogar no Municipal, o Vermelhão
foi abandonado ao vento. Virou campo de ninguém, de todos. O nosso Maracanã.
Como era bom jogar lá. Não era só um
menino com sonho. Era um jogador. Afinal, tamanho oficial, traves e
arquibancadas. Algumas vezes corri de braços abertos, balbuciando algo em busca
do aplauso imaginário. Também, ouvi broncas, reclamações por um gol perdido.
Não era a torcida. Eram os parceiros de time. "Pqp! Não dá para perder um
gol destes, Maurinho!". Abel era o meu crítico mais feroz.
Oi, girando! Oi, girando! O campo ficou
redondo para a gang de Johan Cruyff. Todos em todos os lugares. Espaço e tempo
em um outro conceito. Bolacha, que era o principal líder do time, ficou
encantado com a Holanda. Passou a Copa toda falando da Laranja Mecânica. No dia
do jogo contra o Brasil, a sala da casa da dona Lucinda, mãe do Bolacha, ficou
lotada. Divididos entre a paixão do Bolacha pela Holanda e o 'nosso' patriotismo.
'Ame-o ou deixe-o" dizia o adesivo colado na caderneta escolar. Por
instantes, preferirmos o 'deixe-o'. Uma grande escolha.
Ah, gira, girou! Nunca tinha visto um time
como aquele. Entendi o encantamento do Bolacha. Neeskens, Resembrink, Johnny
Rep e seus amigos rodavam num carrossel mágico, igual aos dos parques que
invadiam Lages de tempos em tempos. A vitória laranja virou uma festa. Gritos,
pulos que irritaram seu Jeremias, pai do Bolacha. "Piás de merda! Cadê o
patriotismo?", reclamou. No Boldo, uma espécie de Pacaembu, imitamos a
Laranja Mecânica. Treinamos as movimentações, as trocas de posições, o passe
rápido, a velocidade e a obsessão pelo gol. Fui Cruijff durante uns meses. A
minha camisa era a 14. Aos poucos, a Copa foi se tornando saudades. Saudades
que tenho até hoje.
O dia chegou. Julho de 1975. Um domingo.
Passei com a turma da rua Irma Laurinda. Fui ao cinema, no bailinho do Juvenil,
no bolão do Princesa. Terminamos a noite no bar do seu Chico, que ficava perto
de nossas casas. Às onze da noite dei um abraço forte, fraternal, final nos
amigos. Acompanhei todos indo embora. É a última imagem que tenho deles. O tio
Danilo nos levou à rodoviária. Lages foi ficando para trás, longe. Mas, sempre
volta em sonhos e lembranças. Pena que aquele tempo ficou naquele tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário