Mauro Pandolfi
Madrugada, toca o celular. Acordo assustado. Era Rai Carlos, um
velho amigo que convive com o sobrenatural. "Sem susto, Mauro! Preciso que
tu venhas de manhã conversar comigo. Tenho uma mensagem para você. Fique
tranquilo. Volte a dormir!", disse Rai. Dormir? Rai estava me gozando.
Ainda bem que passava o videotape do Grenal de domingo. Nunca é demais ver o
inesquecível.
É de manhã, o sol se esconde nas nuvens. Rai mora
num pequena rua do bairro Nossa Senhora do Rosário, em São José. O velho
papagaio Pablito avisa a minha chegada. "Olha só quem vejo bem cedo!
Mauro, todo assustado, preocupado com o nada. Não se assuste. É apenas uma
mensagem psicografada do seu primo Juca. Ele pediu para você
construir um Campo dos Sonhos, lembra do filme, né?, para um Guanal!".
Como?, interrompi. Aonde? E, com que dinheiro? indaguei. Rai riu. Como é cego
vive dizendo: "vocês só veem, não enxergam! Olham o mar. Não percebem o
mar. Ficam no simplório, no engano do ver. Procure olhar o mar no fundo de seus
olhos. O dia que conseguires, vai ver o que vejo!"
Sei disto, respondi. Mas, o Campo dos Sonhos? Riu
abraçou-me, deu um beijo no meu rosto, apertou a mão e disse: "o campo é o
imaginário. Construa com as suas ferramentas. É um texto que ele quer,
Mauro!". Despede-se e assobia "I just
called to say i love you". Quando estou no portão chama-me: "teu primo
disse que todos estão bem".
O Vermelhão sempre foi o meu campo dos sonhos. Lá
descobri paixões de toda a vida. Entendi que a bola move o mundo, um time e um
gol. Descobri a luta, a garra, que o impossível é muito provável. Aprendi a
vencer e a perder, e o empate é uma continuação da vida. A esperança, a fé e as
ilusões achei após um gol perdido ou numa defesa espetacular. Voltar ao
Vermelhão é encontrar o Maurinho. O menino que vi correndo, desesperado, após o
gol desperdiçado. O guri que enrolou a bandeira, guardou a camisa cinco de lã e
foi embora. São 39 anos de saudades.
A memória é um baú que nem sempre abro. Sempre escapa algo triste. Estão todos lá! O menino loiro, pequeno mascote vai ao campo, ao lado do goleiro, que ele chamava de Caminhão. O nome, que fugiu da memória, parece ser Gilberto ou, quem sabe, Laércio. Mas, poderia ser outro goleiro. Califa e Luís Fernando eram espetaculares. Meus amigos Bolacha e Zé acompanham Setembrino, Mário José e Bim. Entram Dair, o Barata sem roda, como o chamávamos, Gaspar, Vitor Hugo, Nicodemus, o genial Puskas, Ricardo, o inesquecível Zezé e Anacleto Oliboni, que marcou, certa vez, um extraordinário gol de bicicleta. Eu, menino, não conseguia entender um gol destes. Como ele jogou de bicicleta? No banco está Roberto Caramuru, ao seu lado, Aparício Viana e Silva. Nas cadeiras noto as presenças de João Saldanha e Rogério Sbruzzi, dois gigantes vermelhos. Meu primo Juca, também, está lá.
Há tantos outros!
O Vermelhão explode. A Arquibancada de madeira está lotada. A de concreto vai enchendo aos poucos. Não há lugar nas gerais que rodeiam o campo. O cenário está pronto. Aquelas camisas vermelhas voltam a desafiar o vento. Tremulam, balançam ao som dos aplausos.
O Vermelhão explode. A Arquibancada de madeira está lotada. A de concreto vai enchendo aos poucos. Não há lugar nas gerais que rodeiam o campo. O cenário está pronto. Aquelas camisas vermelhas voltam a desafiar o vento. Tremulam, balançam ao som dos aplausos.
E, o guaraná-Guarani? Era assim que gritávamos ao ver o áureo-cerúleo do batalhão rodoviário. O uniforme é um dos mais bonitos que vi. A camisa azul, cortada ao meio, por uma faixa amarela. Muito parecida com a do Boca Juniors. Também, o estilo de jogar. O Guarani nunca desistia. Corria, lutava até o lance final do jogo. A última vez que vi o Guarani foi um amistoso, em 1974, contra o Gaúcho de Passo Fundo. Perdeu por 3 a 1 (ou teria sido outro o resultado? Estou lembrando de memória!).
Lembro de gols de Luís Freire e Bebeto, dois
mitos do interior gaúcho. Foi a derradeira tentativa de sobreviver.
Lá vem o guaraná-Guarani! Meu amigo Carlinhos é o mascote. Era o único da turminha que torcia para o Índio. Estão lá Almirante, Orli, o veloz Neco. Aliás, Setembrino sempre teve problemas com ele. Nicodemus ficava na cobertura. Mas, o velho Sete era fabuloso. Vi o grande sorriso no belo desarme. Os campeões invictos de 1962 estão presentes: Naddi, Dante, Zilvio, Denerval, Vicente, Octávio, Pillila, Farias e Gozzo. A entrada é uma festa que emociona a vibrante torcida. O major Estrela conversa animadamente com Batista Luzardo Muniz. Será que estão tramando a volta do Guarani?
Lá vem o guaraná-Guarani! Meu amigo Carlinhos é o mascote. Era o único da turminha que torcia para o Índio. Estão lá Almirante, Orli, o veloz Neco. Aliás, Setembrino sempre teve problemas com ele. Nicodemus ficava na cobertura. Mas, o velho Sete era fabuloso. Vi o grande sorriso no belo desarme. Os campeões invictos de 1962 estão presentes: Naddi, Dante, Zilvio, Denerval, Vicente, Octávio, Pillila, Farias e Gozzo. A entrada é uma festa que emociona a vibrante torcida. O major Estrela conversa animadamente com Batista Luzardo Muniz. Será que estão tramando a volta do Guarani?
O Guanal é o símbolo da minha paixão do futebol. Graças ao Guarani e ao Inter que descobri o Grêmio. O tricolor foi fazer um amistoso contra o Guarani. Treinou no Vermelhão. Eu, menino de sete anos, interessado em conhecer Alcindo, fui ver o treino. O Vermelhão ficava na frente de minha casa. Da janela, via uma área e o gol. Todos de branco. Um chute poderoso estremece o travessão. Quem chuta é o camisa 13. Ele usa uma camisa diferente dos demais, tão incrivelmente linda em três listras azuis, brancas e negras. Perguntei quem era aquele que chutou. "Alcindo!", responderam. Tornei-me gremista. Grato, dupla Guanal.
O jogo flui. Guanal era disputado. Bola alta, disparada para
frente. Retomadas, viradas de jogo. Cruzamentos mortais. Boas defesas. Um
jogão. De repente, um longo passe de Dair encontra Zezé, na frente de Orli...
Os lances vão sumindo da tela, escapando pelos labirintos da vida. É hora de
trabalhar! Tem gente no balcão. A vida pede mais esperança, ilusão e campos de
sonhos. Mas, tenho que garantir o leite das crianças. No entanto, hoje e
amanhã, o Guanal vai ficar flutuando no meu imaginário.
....será que Zezé marcou o gol?
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