quarta-feira, 18 de março de 2015

O Flamengo do Chiko

Mauro Pandolfi

Sou um caçador. Largo tudo. Não leio, não escrevo, não cozinho, não namoro. Nem futebol na tevê assisto. É a hora da caçada. Vou seguindo pistas, relatos, indícios, suspeitas em busca da caça. A tela do tablet é pequena. A do celular é menor ainda. Mas, agora tenho uma smart tv. Procuro o youtube. Localizo na tevê. O sinal de pesquisa aparece.

Vou em busca de um jogo perdido. Vou atrás de um futebol que nunca existiu. Ou, se existiu, foi esporádico. Sou um caçador. Nunca um desmistificador. Não sou um Mister M do futebol romântico. Posso ser, quem sabe, um idiota que recusa o passado tão glorioso, fantasioso, mágico. Considero o passado, e o futebol incluído, uma ilusão. Uma bela ilusão. E como todos já sabem, as ilusões estão perdidas.

Adoro sonhadores como Chiko Kuneski. Ele é um poeta da vida e da bola. Escreveu um texto belíssimo sobre o Flamengo de Zico. Este time, ainda, me encanta. Não cheguei aos anos 80 na minha 'caçada' ao futebol. É complicado discutir mitologia. Mas, vamos lá!

Este Flamengo é uma poderosa equipe tática. Posicionamento, marcação alta, velocidade. A posse de bola como arma é um engano na análise deste time. Ao contrário, a bola é jogada com rapidez, procurando o espaço vazio do contra-ataque. A bola constantemente atravessada, viradas de jogo sempre em busca do contrapé do adversário. Tão bem esquematizado que encaixotava o rival.

O Chiko vai me matar. O Flamengo era defensivo. No Brasil poucos times marcaram como ele. Os dois zagueiros (Mozer e Marinho) eram rápidos, grandes e versáteis.  Tinham uma antecipação primorosa. Com dois laterais (Leandro e Júnior) inteligentes e hábeis encurtavam o espaço. Ora, abriam como laterais. Ou, fechavam como meias, sempre em diagonal, como autênticos alas. Aliás, alas não substituem pontas. São as 'novas atribuições' dos meias.

Ou seja, o novo lugar dos meias. Eles não desapareceram. Mudaram de lugar. Dois pontas (Lico e Tita) flutuavam. Este movimento bloqueava o time adversário e criavam opções de ataque. O volante (Andrade) funcionava como um terceiro zagueiro. O primeiro combate é sempre seu. Assim como, a saída de bola. Os meias (Adílio e Zico) coordenavam o jogo. Acelerando o ritmo ou diminuindo. A chegada na frente era vertiginosa, geralmente, com o Zico, paravam dentro do gol. E tinha um bom definidor (Nunes). Não esqueci o goleiro (Raul). Era discreto, fugia do padrão voador, tinha uma boa reposição. Vários contra-ataques começavam com ele.

Este Flamengo foi uma construção de anos. Inicia com Carlos Froner, passa por Joubert, Coutinho e é burilado por Carpegiani. Paulo César Carpegiani foi um jogador subestimado. Tão talentoso como os medalhões de seu tempo. Um meia hábil com uma noção tática raramente vista nos campos brasileiros. Um Xavi! É também relegado como treinador. Seus times fugiam dos modelos daqui. Quando a imprensa e os torcedores não percebem, ou não entendem, uma variação tática chamam o técnico de inventor. Carpegiani é ousado. Porém, aqui, ousadia é a palavrão.

O Flamengo era tão fantástico no posicionamento, na forma de jogar que jogadores medianos (Andrade, Adílio, Tita e Mozer) pareciam 'craques'. Zico era superior, extraclasse. Leandro e Júnior (o mais completo jogador de sua geração)  foram espetaculares. Lico era o moderno. O símbolo de um time instigante e poderoso.


Os olhares do poeta. Chiko vê o Flamengo com poesia. O drible é o verso que não precisa rima. Se materializa no engano do adversário. O gol é um poema completo. Chiko sugere a dança e o balé. Futebol arte. Futebol é espetáculo. Meus olhares são outros. Gosto do passe. O passe é prosa. O jogo é um teatro de grama e paixão. Gosto de vitórias, aquelas arrancadas de forma épica. O Flamengo do Chiko ainda é intocado na lembrança.  Como já perdi o encanto de tantas equipes, não sei se irei à caça. Acho que vou! Nem que seja para provocar o Chiko.

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