Mauro Pandolfi
Sou um caçador. Largo tudo. Não leio, não escrevo, não cozinho,
não namoro. Nem futebol na tevê assisto. É a hora da caçada. Vou seguindo
pistas, relatos, indícios, suspeitas em busca da caça. A tela do tablet é
pequena. A do celular é menor ainda. Mas, agora tenho uma smart tv. Procuro o
youtube. Localizo na tevê. O sinal de pesquisa aparece.
Vou em busca de um jogo perdido. Vou atrás de um futebol que nunca
existiu. Ou, se existiu, foi esporádico. Sou um caçador. Nunca um
desmistificador. Não sou um Mister M do futebol romântico. Posso ser, quem
sabe, um idiota que recusa o passado tão glorioso, fantasioso, mágico.
Considero o passado, e o futebol incluído, uma ilusão. Uma bela ilusão. E como
todos já sabem, as ilusões estão perdidas.
Adoro sonhadores como Chiko Kuneski. Ele é um poeta da vida e da
bola. Escreveu um texto belíssimo sobre o Flamengo de Zico. Este time, ainda,
me encanta. Não cheguei aos anos 80 na minha 'caçada' ao futebol. É complicado
discutir mitologia. Mas, vamos lá!
Este Flamengo é uma poderosa equipe tática. Posicionamento,
marcação alta, velocidade. A posse de bola como arma é um engano na análise
deste time. Ao contrário, a bola é jogada com rapidez, procurando o espaço
vazio do contra-ataque. A bola constantemente atravessada, viradas de jogo
sempre em busca do contrapé do adversário. Tão bem esquematizado que
encaixotava o rival.
O Chiko vai me matar. O Flamengo era defensivo. No Brasil poucos
times marcaram como ele. Os dois zagueiros (Mozer e Marinho) eram rápidos,
grandes e versáteis. Tinham uma antecipação primorosa. Com dois laterais
(Leandro e Júnior) inteligentes e hábeis encurtavam o espaço. Ora, abriam como
laterais. Ou, fechavam como meias, sempre em diagonal, como autênticos alas.
Aliás, alas não substituem pontas. São as 'novas atribuições' dos meias.
Ou seja, o novo lugar dos meias. Eles não desapareceram. Mudaram
de lugar. Dois pontas (Lico e Tita) flutuavam. Este movimento bloqueava o time
adversário e criavam opções de ataque. O volante (Andrade) funcionava como um
terceiro zagueiro. O primeiro combate é sempre seu. Assim como, a saída de
bola. Os meias (Adílio e Zico) coordenavam o jogo. Acelerando o ritmo ou
diminuindo. A chegada na frente era vertiginosa, geralmente, com o Zico,
paravam dentro do gol. E tinha um bom definidor (Nunes). Não esqueci o goleiro
(Raul). Era discreto, fugia do padrão voador, tinha uma boa reposição. Vários
contra-ataques começavam com ele.
Este Flamengo foi uma construção de anos. Inicia com Carlos
Froner, passa por Joubert, Coutinho e é burilado por Carpegiani. Paulo César
Carpegiani foi um jogador subestimado. Tão talentoso como os medalhões de seu
tempo. Um meia hábil com uma noção tática raramente vista nos campos
brasileiros. Um Xavi! É também relegado como treinador. Seus times fugiam dos
modelos daqui. Quando a imprensa e os torcedores não percebem, ou não entendem,
uma variação tática chamam o técnico de inventor. Carpegiani é ousado. Porém,
aqui, ousadia é a palavrão.
O Flamengo era tão fantástico no posicionamento, na forma de jogar
que jogadores medianos (Andrade, Adílio, Tita e Mozer) pareciam 'craques'. Zico
era superior, extraclasse. Leandro e Júnior (o mais completo jogador de sua
geração) foram espetaculares. Lico era o moderno. O símbolo de um time
instigante e poderoso.
Os olhares do poeta. Chiko vê o Flamengo com poesia. O drible é o
verso que não precisa rima. Se materializa no engano do adversário. O gol é um
poema completo. Chiko sugere a dança e o balé. Futebol arte. Futebol é
espetáculo. Meus olhares são outros. Gosto do passe. O passe é prosa. O jogo é
um teatro de grama e paixão. Gosto de vitórias, aquelas arrancadas de forma
épica. O Flamengo do Chiko ainda é intocado na lembrança. Como já perdi o
encanto de tantas equipes, não sei se irei à caça. Acho que vou! Nem que seja
para provocar o Chiko.
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