segunda-feira, 16 de maio de 2016

O acaso vai nos proteger

 

Mauro Pandolfi

Sou um herege. Vou contestar um ídolo. Da bola e das letras. O genial Tostão, em sua coluna da Folha há duas semanas, afirmou que 'os treinadores ignoram o acaso'. Ledo ivo engano (saudades do Planeta Diário), Tostão!. Os técnicos, no Brasil, apostam no acidental, no imprevisível, na sorte. Traçam planos. Arquitetam sistemas. Treinam movimentos. Tudo planejado nos mínimos detalhes. Sempre para defender. Tirar o espaço do adversário. Anular o jogo. E, para vencer, o que fazem? O acaso nos protege. Um erro do zagueiro. Uma bola rifada que torna-se um lançamento que Gérson assinaria. Um drible. Um frango. Uma ajuda amiga da arbitragem. Uma falta bem cobrada. Jogadas ofensivas, planejadas, treinados, bem executadas? São raras. Nesta primeira rodada do Campeonato Brasileiro não vi nenhuma. Agora, as linhas defensivas, os quinze metros dentro do seu campo, a zaga enterrada, o atacante longe,   em quase todos os jogos. Sem falar nas 'retrancas' dos últimos minutos.Balão para dentro da área. A busca de uma cabeça. Dá-lhe sufoco! Para quem defende. Para quem assiste.
14 gols em dez jogos. Duas goleadas de quatro. Cinco 1 a 0. Três 0 a 0. Poxa! A 'tragédia' da Copa de 14 não passa. Não há evolução. A busca do novo revela-se um pastiche. Os técnicos estrangeiros no país adoram um futebol mais anacrônico que os brasileiros. Defender sempre. Atacar, quando der. São Paulo e Atlético, pela Libertadores, fizeram um dos piores jogos da temporada. Muricy Ramalho viajou para entender, aprender, observar o futebol europeu. Esteve em Barcelona. Conversou, ouviu, assistiu. Como um doutorado. Seu Flamengo é um arremedo. Desorganizado, defende mal. Confuso, não ataca. Muricy não conseguiu implantar o 'novo'. E, o pior, esqueceu do 'velho'. Em nada lembra o treinador do São Paulo. Lá defendia bem e tinha uma rápida saída de bola e velocidade para o ataque. Sem esquecer as cobranças de faltas que acabavam em gols. Uso, Muricy, como referencia. Os técnicos tentam repetir os grandes times da Europa. Assistem os jogos, estudam os sistemas. Mas, não entendem a alma, a mente e o coração. Não é repetindo os esquemas que há transformação. Tem que descobrir o motivo de jogar assim. Decifrar a mentalidade. Senão, vira paródia.
O moderno é muito longe daqui. Estou careca em dizer que o passado nunca passa. Vivemos preso num imaginário de futebol. Uma visão idealizada, lírica, idílica. O futebol como fantasia. Só fantasia. A fuga deste imaginário tem revelado uma realidade triste, cínica e caótica. O 'novo' é desconhecido. Guardiola, Luís Henrique, Jurgen Klopp, Sampaoli são mais do que nomes. São ideias, que talvez, por instantes apareçam nos campos brasileiros. Quem será o modelo dos treinadores é Diego Simeone. O mais tosco deles, Argel Fucks, deixou bem claro contra a Chapecoense isto. Truncado, pegado, fechado, uma bola rifada, o acaso. E, o jogo fica chato, monótono, sem graça, o estádio vazio, a vaia e eu troco de canal em busca de um filme, de um show, de qualquer outra coisa. Como o diz o meu irmão Mário: 'o melhor que a tevê faria para o futebol brasileiro, é não transmiti-lo'. Será?

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