Mauro Pandolfi
Quinta, quase onze, saio para abafar a amargura. Na frente do boteco do Ilgo, escuto a gargalhada que vem do fundo do pequeno bar. É o meu amigo Rai Carlos, o vidente cego. "Quem disse que a derrota não é boa? Olha aí o meu amigo Mauro. Alemão, traga um gim para este homem triste?" O abraço é apertado e consolador. 'Estou cansado de perder, Rai! Não vamos sair desta inhaca?' Quando? Algum dia?' Bebo o gim em um só gole.
Rai recosta na cadeira. Bebe o gim e pede outro. Ajeita os braços na mesa. É a hora da reflexão. Vai falar bastante. Ouvirei em silêncio, sem interromper. "O sol tem brilho, Mauro. Até na minha escuridão, já que pensam que um cego vive no escuro, tem cor. Uma luminosidade que me encanta. A lua cheia produz uma luz com uma intensidade única, que machuca meus olhos, diria .. que me cega!. Isto ajuda a distinguir as fases. Mas, e o vento, Mauro? Qual é a cor do vento? É a percepção mais nítida que tenho. Preciso os meus cuidados com ele. Afeta os meus sentidos quando estou na rua. Me atrapalha os movimentos. Sei que o vento é o parceiro do tempo. O que provoca medo e mudança. Assim é a derrota. Mais do que a frustração, desperta o temor. Tudo parece errado, sem possibilidade de um acerto. Nos destrói, aniquila, até provocar a transformação. É a derrota, como o vento, que inventa a vida, que gera revoluções. A derrota é eterna, assim como uma grande ventania. Será a lembrança que criou a vitória ou a que nos derrubou de vez? Depende da escolha. A vitória é fácil. Alegra e esconde. Tudo é perfeito....por instantes, não mais que instantes. É momentânea, fugaz e ilusória. Mas, é gostosa, mágica, feliz. A minha vida é uma sucessão de derrotas. Quando tenho uma vitória, saio de órbita. Curto a boa sensação. Porém, dura pouco. Logo em seguida, a vida lembra das minhas derrotas. Aí, eu cresço, aprendo e vou vivendo, curtido de soledad!"
Adoro ouvi-lo. É um ilusionista das palavras. Busca metáforas, casos, pensares. Gosto da provocação. 'Vivo perdendo e ainda não sei lidar com as derrotas. Queria vencer...' Sou interrompido. "Teu ceticismo impede de aproveitar a derrota. Tu só vê o negativo, se perde ali, não entende a transformação". Agora, sou eu quem interrompe. 'Eu e o Grêmio, tanto que perdemos que deveríamos ser mais sábios que Confúncio! Não é?'... A gargalhada explode em uma alegria geral."'Gosto de teu humor. Ainda bem que tu brinca com a derrota. Não vou falar mais. Descubra e aprenda o valor delas. Só você vai entender os teus dilemas e os do Grêmio!"
Engulo mais uma dose de gim. O boteco do Ilgo é o lugar dos derrotados. Desempregados, frustrados, pobres, miseráveis, mendigos, poetas, aposentados que buscam o prazer da conversa pela conversa. Ninguém quer convencer ninguém. Só rir, beber, passar a vida perdida em um momento de paz. Política, futebol, vida, discutidas entre galhofas e piadas. Pago a conta e me despeço de Rai. "Ainda é cedo, Mauro! No entanto, vá tranquilo. O vento e o tempo estão em mudanças. Tudo vai passar. O nosso drama, a inhaca, o inferno astral está no fim. Vão manter o Roger e os guris, o Grêmio será campeão ..." Não o deixo terminar. Indago, meio irritado, meio angustiado: 'Está escrito nas estrelas ou no fundo deste copo de gim?' , pergunto. Rai não se altera. Encara-me e dispara."Homem de nenhuma fé, incrédulo, não importa onde está escrito. O que interessa é o crer. Aí, depende de você!". Não tenho sonhos, acho a utopia uma tolice e esperança é só uma amiga da infância. É hora de ir. Dou um abraço em Rai e vou. Antes de sair, ele me chama. "Preste atenção no som do silêncio ao ir para casa. A nossa história está lá, a fé também. Acredite no futuro que o vento trará". Ao sair, escuto a voz grave de Rai cantando Simon and Garfunkel: The sound of silence. Entendi o que falou. Fui em paz, triste, assobiando o belo hino de Lupi, pensando.... As derrotas não são tão dramáticas. Afinal, só assim encontro Rai. Só assim me encontro. Só assim entendo o jeito gremista de ser. Então, eu vou, como diz o Rai, curtido de soledad!
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