Mauro Pandolfi
O futuro é o meu tempo preferido. Gosto de pensar como será, como
serei e o que farei. Quando trabalhava como repórter fui em busca do futuro
algumas vezes. Conversei com mãe de santo, com um francês pirado - dono de um
gato doido, que me seguiu com os olhos o tempo todo - que
sonhava com o futuro e um cego chamado Ray Carlos. Ele previa através da
luz. Não me pergunte como, nunca entendi o processo. Ficamos amigos.
Semana passada, depois de muito tempo, fui visitá-lo. Saber
sobre a vida e o Grêmio. O Grêmio está preso pelos astros e estrelas. Foi o que
descobri. Ray sempre diz que o futuro está desenhado, pontilhado. Podemos ligar
os pontos ou alterá-lo, depende de nós.
A placa continua lá: "Ray Carlos, vidente.
Só futuro! O passado já foi!" Numa rua estreita, escondida no Bairro
Nossa Senhora do Rosário, em São José, numa casa de madeira, encontro-o cantando
Stevie Wonder. "Olha só, quem eu vejo! Faz tempo, Mauro! Já sei o que tu
queres! Não estás no jornal, os meninos e a patroa vão bem, os negócios estão
complicados, mas dentro da normalidade anormal do país. É sobre o nosso Grêmio,
não é? Estás desesperado e com medo de um outro rebaixamento?", explode a
gargalhada que acorda o papagaio Pablito. "Tá velho e gagá. Só fala
bobagem!". Acertou, afirmei.
'Então, vamos lá. Vocês não enxergam nada. Olham por cima, superficial. Não tem a essência, a profundidade do ver. Eu não olho. Nunca olhei o mar. Eu enxergo o mar, a beleza e a virulência. Em futebol, então... vocês mal olham um impedimento ou um gol bonito. Não sabem da alma do jogador. Eu enxergo o sentido da bola e do gol. E o Grêmio está preso em uma alma que não existe mais e teima em existir", disse ele.
Que alma é essa? perguntei. "Não sabes, meu
caro Mauro. É o teu orgulho, o nosso orgulho, eu também sou gremista. É a
imortalidade que sobreviveu aos Aflitos. Aflitos, Mauro? É o nosso carma, a
nossa desgraça, a inveja que se tornou praga. A palavra virou um adjetivo do
gremista. Vivemos aflitos, com medo!".
A tarde vai terminando. Ray esclarece a conversa. "Precisamos renascer. Mas, para renascer tem de morrer. O Imortal nunca morre, então não renasce. Vai repetindo sempre a mesma vida, eternamente. Os erros são os mesmos, os acertos, também. Sei que o Grêmio tem orgulho da imortalidade. É dolorido para mim. Não conheci o Olímpico, nunca estive lá. Tem a nossa história.
Mas, tudo passa pela demolição. É a morte
simbólica do imortal. Estaremos livres para recomeçar na Arena. E, é recomeço,
mesmo. De baixo, do menor. Precisamos de um gauchão sofrido, cheio de bravura e
feito, desculpe-me Mauro, o chavão, com lágrimas, suor e sangue. Daí, as outras
conquista virão. O sol azul de hoje, não mente, não engana. "O futuro vem
aí", comenta, emendando o hino de Lupi.
Hora de ir embora. Antes de sair falo de Felipão, de Barcos, Marcelo Moreno, Fábio Koff e tantos outros. Ray ri. "Não precisa ser vidente. É preciso mudar, reinventar a alma. Estamos presos ao passado, aos heróis de ontem. Procuramos como magia o já vivido, o que gerou vitórias, títulos. No entanto, a vida gira, roda e, também, avisa que o novo deve vir. Então, é hora de apostar no novo, no não conhecido. Esquecer as estrelas decadentes.
Precisamos estrelas cadentes, produzidas em casas
ou nas pequenas casas. Há tanta gente pronta para brilhar. É só ver. Mas, os
cartolas só olham. Miram nomes e cartazes. “Querem só a fama. É uma
pena!", afirma. Dou um beijo na testa, agradeço a conversa e vou embora.
"Os meninos, Mauro! Usem os nossos meninos. Os piás, como tu fala. 2015
será uma bom ano para o nosso tricolor. Acredite, Mauro! Tenha fé!"
Eu tenho!?
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