segunda-feira, 1 de maio de 2017

Sofisticação


Mauro Pandolfi

"Quero desejar, antes do fim  pra mim e os meus amigos, muito amor e tudo mais; que fiquem sempre jovens e tenham as mãos limpas e aprendam o delírio com coisas reais.  ...........Viver é que o grande perigo"
A poesia sofisticada de Belchior é a melhor companhia para rever a elegância de um lance de Leandro.

Domingo vivi de memória. Lembrei dos meus queridos amigos do jornalismo quando a Elaine me falou da morte de Belchior. Revi o Zeca cantando numa rodinha do bar do básico, numa festa na casa do Gomes, do Gilberto, na singela sala de aula ou em qualquer  lugar que tivesse um violão e gente disposta a sonhar. Brincava com ele sobre Belchior. Um poeta de letras grandes que mal cabiam nas músicas estreitas.  Achava intenso e enigmático, longe da 'verdade' de Chico Buarque, meu maior ídolo daquele tempo. Mas, gostava. A memória é mesmo o amor ao tempo eterno. Não o esconde, não deixa passar. Ressurge intenso quando você está desavisado. Cenas do  período mais poético de minha vida, aqueles 'loucos' - acho que estão mais para lúcidos. Deixa assim! A 'loucura' é mais romântica - anos do jornalismo, tornaram-se um filme que durou o dia todo. Ao ver Leandro, no programa 'Resenha', da Espn, o filme insistiu em não terminar.   Acho que continua até agora. 
Música e futebol. Gosto de brincar com os dois num texto.  De ver um driblador como um poeta de versos livres, amorosos, contundentes. A linha de passes. Aquela que a bola vai suave de pé em pé, muda o rumo, a sequência, a velocidade, chega no gol é um concerto, um festival, um coral embalando um clássico ou um rock que balança as estruturas, principalmente, a minha. Belchior e Leandro são gêmeos no meu delírio de ver poesia no futebol.  Belchior está longe dos versos simples da música popular. Leandro nunca foi um mero lateral. Seu jogo era amplo, inteligente, eloquente.
Belchior parecia estar à margem da música, da fama, da eternidade. Os versos tinham  um rigor ausente na mpb. Cantava o amor, a solidão, os enganos, o medo  de uma maneira sofisticada, provocadora.   A voz grave acentuava o brilho e o desespero das letras.  Quem veio do interior, como eu, logo se identificou que  éramos 'apenas um rapaz latino-americano'  e percebemos que 'nada é divino, nada é maravilhoso'.  A vida é dura, cruel, mortal. Sempre preferiu andar sozinho. Não sei se ficou sozinho. Sumiu, desapareceu. Parecia de um outro tempo. Do tempo que havia 'galos, noites e quintais'. Mas, sempre tem o Zeca para me lembrar de Belchior.
Era fascinado pelo futebol de Leandro. Não era igual aos outros. Diferente nos gestos, nos movimentos, nos toques na bola. Aquela que vinha alto, sem rumo, dispersa,  amortecida, aconchegada no pé. Esquerdo ou direito. Indiferente. Tão simples gesto, fácil. Levei tempo para entender que aquilo era sofisticação. Nunca vi ninguém tão  elegante como ele.  Leandro não chega a ser um Belchior. Mas, parece recluso. Não aparece muito. É raro vê-lo num  programa de tevê. Cuida de uma pousada em Cabo Frio, cidade que é o seu refugo.  Desistiu de uma copa, preferiu ser justo com um amigo. Se para lembrar de Belchior tenho o meu amigo Zeca, para reencontrar a estética, o estilo de Leandro, só encontro em Iniesta. Opa! Finalmente entendi o motivo para gostar tanto do Barcelona. Eu  achava que era por Messi.

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