terça-feira, 9 de maio de 2017

Página vazia

 

"Até onde sabemos, de um ponto de vista puramente científico, a vida humana não tem sentido algum."
Pensar de Yuval Noah Harari que vale para muitos dribles no futebol. Eles são essenciais  apenas pela poesia.

Mauro Pandolfi

'O óbvio premonitório', de Chiko Kuneski, deixou-me inquieto. Um tanto reflexivo. O homem e o olhar tecnológico.  A inquietude disparou ao assistir o trailer de Blade Runner 2049. O sombrio, o desencanto, o delírio visual numa melancolia angustiante. Reuni as 'preocupações ' com o instigante Homo Deus  de Yuval Noah Harari. O futuro é um imenso desengano, despedaçado, 'um desastre' para o homo sapiens.  Juntei tudo. Misturei num liquidificador esta geleia. Como recuso comentar os bizarros estaduais, vi uma página vazia na minha frente. Nada a escrever. Então percebi que o árbitro de vídeo é um equívoco. O olhar continua humano, demasiadamente, humano. Tem as mesmas ilusões de ótica. Às vezes, embaralhada pelo fanatismo clubístico ou ideológico; outras, pelo não entendimento. Só a inteligência artificial  evita o erro.  Será que os deuses do futebol vão entender o futuro?
Deus está morto! A revolução do conhecimento enterrou as certezas teológicas e estabeleceu novos arquétipos. A ciência tem as suas verdades. Mas, sobrevive pelas dúvidas.O homem já não sabe de onde é, quem é, o que é, para onde vai. Sem a 'verdade, o caminho e a  vida' de Deus, ele inventa a ideologia como orientação. O pensar que responde as indagações, as incertezas, o medo, a transformação. O tempo revela que são tão, ou mais, fundamentalistas que as religiosas.
Segundo Yuval Noah Harari, o homo sapiens se tornará 'deus'. Terá atitudes, que no passado eram consideradas divinas, como a imortalidade, a eterna juventude, ler a mente e criar vida. A singularidade é que torna o homo sapiens o centro, o poder, o dono da vida. O futebol será outro com a evolução do sapiens? Mais craques, árbitros melhores, ou a poesia do jogo terminará? Rai Carlos, o vidente cego, disse-me uma vez: "não espere o futuro, nem tente imaginá-lo. Será algo tão extraordinário que nem a ficção científica adivinhou. Esqueça o futebol. As criaturas do futuro não perderão seu tempo com algo tão rústico, rudimentar. Será como as arenas romanas. Alguém lembra o nome de algum gladiador? Acontecerá o mesmo com Pelé."
Deus está vivo! Olhe ao seu redor. Observe as igrejas. De tantas matizes, credos, fé. O homem comum agarra-se a Deus. É o porto seguro, a esperança, o último recurso. O futebol é uma religião. É a minha! Rezo nas catedrais - os estádios -, rogo graças aos meus santos - os ídolos -, e faço as orações rezo antes de dormir - quando assisto os programas esportivos. As respostas dos jogadores tratam o jogo como divino, uma graça, uma redenção. A religião trabalha com o imaginário, sobrevive por ele, sustenta-se no pensamento mágico de uma outra vida. Exatamente como o futebol. É movido por fé, talento, esperança, pensamento mágico, poesia. Eu, cético saudável (pelo menos, tento ser), duvido da eficiência do árbitro de vídeo. Preferia um 'homo deus', com inteligência artificial, sem os enganos do homo sapiens. O olhar do árbitro de vídeo vai apenas desglamourizar o erro do futebol.  Perde a graça o árbitro não saber contar até cinco? O bandeirinha não entender o que é impedimento? Ou ninguém perceber que o gol foi com a mão? Se estes erros acabarem, do que viverá a imprensa esportiva deste ajuntamento?

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