sexta-feira, 18 de março de 2016

Morrer de paixão

 

Mauro Pandolfi

Aflição ou glória. Desespero ou esperança.  A vitória mágica ou a derrota dramática. O futebol é vida ou morte em metáfora. Também, real. A vida como ela é.  Alegre, feliz, trágica.  Um torcedor do Borussia Dortmund não resistiu ao encantamento do jogo, o talento de Marco Reus e de seus amigos. Um infarto fulminante. O coração traiu o amor. A despedida com sabor de uma vitória no recinto de grandes festas. A paixão e a morte, como num teatro. Afinal, futebol é um teatro de grama, paixão e dor. A dor do adeus. 'You'll never walk alone' cantado em lágrimas por uma torcida. E, num delírio espiritual, o homem de 81 anos, descobriu que na sua finitude,  nunca estará sozinho.
Encontro Rai Carlos, o vidente cego, e falamos sobre a morte e a paixão. "São gêmeas na vida. Cada suspiro, cada lamento, é um pouco da morte nos avisando que ela está de olho. A paixão supera a vida. É eterna. A morte só a glorifica. O torcedor do Borussia nunca abandonará o estádio. Ficará lá, em alma e espírito. Assim é!", disse ele.
Cético, perplexo, fico em silêncio. "Meu caro Mauro, teu materialismo, tuas dúvidas, impedem o entendimento entre o céu e terra. Lembre-se de Shakespeare. Suas tragédias explicam a ligação. Leia com os olhos de um cego, que vê a vida com um olhar além do que sugere a palavra. Procura a origem, a essência, o significado.Tu encontraras as tuas respostas sobre a paixão e o enorme fascínio que desperta entre a a vida e a morte. A paixão é eterna. Nem a eternidade a separa da alma". O belo jogo de palavras de Rai me seduz. E no meu encantamento, fico calado.
A bola navega no amor, na paixão e no ódio. E, a política neste tempo agitado, histérico, louco? "A política acabou, meu caro Mauro. Era feita com o simbolismo da palavra, com o que sugeria, com que realizava, com uma ilusão que chamávamos esperança.  Hoje é o jogo sujo do poder e as suas negociatas. O discurso e o sonho foram comprados por uma boa propina", disse Rai. Mas, e os  crentes? "Nem todos são inocentes úteis. Há os canalhas, que não querem abandonar as vantagens. Destes, não falo. São a escória da humanidade. Os outros não enxergam, apenas olham a realidade, não querem entender que sempre estiveram iludidos. Então brigam em nome da ilusão. Tem os que gritam, berram, brigam, xingam, agridem. Coléricos! Estes são os idiotas. Muitos tem canudo de doutor. No entanto, não enxergam a vida e nem quem os controlam". Rai fica sério. Dá uma pequena caminhada, para, encara o horizonte e fala algo que me surpreende: "Sabe, meu amigo Mauro, ando pensando sobre isto, o que estamos vivendo, as dores do mundo e estou chegando a uma triste conclusão. As pessoas vieram para sofrer, pagar algo de outras existências. Aqui, com estes demônios soltos, é o inferno!"
Rai ajeita o chapéu, disfarça as lágrimas, se despede. Ainda pergunto sobre a morte por paixão de um torcedor de futebol e de um militante político. "A paixão do torcedor não termina com a morte. Continua para sempre. A alma inventou o amor, paixão. O militante não tem alma. Ele não vive uma paixão. Vive preso numa arapuca chamada idealismo. Topa tudo para não perder os conceitos. Ali, entrega a alma. Ele não percebe que morre em vida, todos os dias, todos os instantes, até se apagar. E, aí, sem paixão, vagará para sempre, a procura de um idealismo que era apenas uma arapuca". Nos abraçamos e Rai vai embora. Sempre assobiando os belos blues.


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