Mauro Pandolfi
Aflição
ou glória. Desespero ou esperança. A vitória mágica ou a
derrota dramática. O futebol é vida ou morte em metáfora. Também,
real. A vida como ela é. Alegre, feliz, trágica. Um torcedor do
Borussia Dortmund não resistiu ao encantamento do jogo, o talento de
Marco Reus e de seus amigos. Um infarto fulminante. O coração traiu o
amor. A despedida com sabor de uma vitória no recinto de grandes festas.
A
paixão e a morte, como num teatro. Afinal, futebol é um teatro de
grama, paixão e dor. A dor do adeus. 'You'll never walk alone' cantado
em lágrimas por uma torcida. E, num delírio espiritual, o homem de 81
anos, descobriu que na sua finitude, nunca estará sozinho.
Encontro
Rai Carlos, o vidente cego, e falamos sobre a morte e a paixão. "São
gêmeas na vida. Cada suspiro, cada lamento, é um pouco da morte nos
avisando que ela está de olho. A paixão supera a vida. É eterna. A morte
só a glorifica. O torcedor do Borussia nunca abandonará o estádio.
Ficará lá, em alma e espírito. Assim é!", disse ele.
Cético,
perplexo,
fico em silêncio. "Meu caro Mauro, teu materialismo, tuas dúvidas,
impedem o entendimento entre o céu e terra. Lembre-se de Shakespeare.
Suas
tragédias explicam a ligação. Leia com os olhos de um cego, que vê a
vida com um olhar além do que sugere a palavra. Procura a origem, a
essência, o significado.Tu encontraras as tuas respostas sobre a paixão e
o enorme fascínio que desperta entre a a vida e a morte. A paixão é
eterna. Nem a eternidade a separa da alma". O belo jogo de palavras de
Rai me seduz. E no meu encantamento, fico calado.
A
bola navega no amor, na paixão e no ódio. E, a política neste tempo
agitado, histérico, louco? "A política acabou, meu caro Mauro. Era feita
com o simbolismo da palavra, com o que sugeria, com que realizava, com
uma ilusão que chamávamos esperança. Hoje é o jogo sujo do poder e as
suas negociatas. O discurso e o sonho foram comprados por uma boa
propina", disse Rai. Mas, e os crentes? "Nem todos são inocentes úteis.
Há os canalhas, que não querem abandonar as vantagens. Destes, não
falo. São a escória da humanidade. Os outros não enxergam, apenas olham a
realidade, não querem entender que sempre estiveram iludidos. Então
brigam em nome da ilusão. Tem os que gritam, berram, brigam, xingam,
agridem. Coléricos! Estes são os idiotas. Muitos tem canudo de doutor.
No entanto, não enxergam a vida e nem quem os controlam". Rai fica
sério. Dá uma pequena caminhada, para, encara o horizonte e fala algo
que me surpreende: "Sabe, meu amigo Mauro, ando pensando sobre isto, o
que estamos vivendo, as dores do mundo e estou chegando a uma triste
conclusão. As pessoas vieram para sofrer, pagar algo de outras
existências. Aqui, com estes demônios soltos, é o inferno!"
Rai
ajeita o chapéu, disfarça as lágrimas, se despede. Ainda pergunto sobre
a morte por paixão de um torcedor de futebol e de um militante
político. "A paixão do torcedor não termina com a morte. Continua para
sempre. A alma inventou o amor, paixão. O militante não tem alma. Ele
não vive uma paixão. Vive preso numa arapuca chamada idealismo. Topa
tudo para não perder os conceitos. Ali, entrega a alma. Ele não percebe
que morre em vida, todos os dias, todos os instantes, até se apagar. E,
aí, sem paixão, vagará para sempre, a procura de um idealismo que era
apenas uma arapuca". Nos abraçamos e Rai vai embora. Sempre assobiando
os belos blues.
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