terça-feira, 29 de março de 2016

Eles não saem

Chiko Kuneski

- Sai! Sai!
- Quem? Eu?
- É! Sai, porra!
- Mas a bola tá em jogo...
- Então espera!

O estádio silencia. A rede balança no embalo da bola do artilheiro. O técnico vibra. O jogador olha para o banco de reservas e soca o ar.
A placa sobe. Ricardo Oliveira soca o vazio. Soca a desilusão. Soca a cara imaginária do técnico que milhões de brasileiros socam juntos no imaginário. Mas, como bom escudeiro dos insensatos sem sonhos, resigna. Respira fundo e caminha para a linha lateral.

- Pronto, sai! Mas a bola entrou.

Provavelmente Ricardo Oliveira nunca teve a coragem de dizer isso para Dunga. E se disse ninguém saberá. Seria nos vestiários. Nos secretos dos desabafos. Nos olhares fulminantes. Na raiva do soco no ar. No chute que deve ter dado no banco, que a televisão não mostrou, de despontamento.

A imagem da substituição do atacante que acabou de fazer um gol na, até então, uma derrota de dois a zero de uma seleção sem esquema, sem conceito, sem inteligência fora de campo, jogando uma pelada de “casados contra solteiros”, sem comando dentro de campo, é o retrato do Brasil.

Acertou...sai!

Nos transformamos, em todos os setores, num país estranhamente estranho. O que acerta na luta da vida sai. O que manda, errado, fica. Quem ousa discutir esse conceito é um golpista que não entende as diretrizes que devem reger o grupo. O conceito de quem “utopisa” que dirige.

Não adiante vibrar com um gol. Podemos até empatar um jogo parecendo perdido. A essência do agir reinante é continuar perdendo.

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