sábado, 6 de junho de 2015

O menino e o tempo

Mauro Pandolfi

        "Eu vi um menino correndo. Eu vi o tempo..."
                                   A Força Estranha de Caetano Veloso.

Eu vi aquele menino algumas vezes! Estava sentado na arquibancada do que sobrou do Vermelhão. Olhos mareados, a camisa azul com a gola vermelha, número cinco nas mãos, a bola nos pés e a tristeza imensa. "O que é o futebol, Mauro? Por que eu gosto tanto? Vou passar a vida jogando ou assistindo futebol? Não é perder o tempo? Cinema não é melhor? Ou, quem sabe, música?" Nada disse. Fui embora. Foi só um sonho. O guri surge de repente, sem avisar. Passo dias sonhando com ele. Sei quem é! É o segundo garoto que não entende a paixão pela bola e fala em perda de tempo.

Tenho uma obsessão com o tempo. Gosto do passado e suspiro pelo futuro. Se encontrasse um túnel ou portal do tempo, o que escolheria? Conhecer Pelé ou Garrincha? Ou quem será o novo Messi? Dúvida que não sei como resolver. Sou movido a bola. O futebol é um respiro, um alívio, a poesia circular da vida. O dia a dia é um pênalti e eu sou um goleiro. Geralmente, busco a bola no fundo da rede. Nem Pelé ou o novo Messi. Buscaria o início da paixão para dela fugir.

O mundo é um moinho que é movido pelo vento que leva o tempo até a eternidade. Estou zonzo, estou zen, viajo em busca do desejo. Onde parar? Vermelhão, 1965. O Huracan marca o gol. O primeiro do estádio de Copacabana. Vejo os olhos tristes do menino em busca da saída do estádio. Atravessa a rua, entra em casa, corre para seu jogo de botão. Recupera a alegria narrando um gol de Alcindo. Linda cena. Como destruir a paixão neste momento?

Erechim é algo próximo ao paraíso. Meu aniversário. Sete anos. O presente é uma camisa do Ypiranga. Amarela com golas verdes. Bonita! O sorriso dele é devastador. Encarei a cena. É agora, pensei. Num átimo, tudo muda. O tempo é mesmo mágico. Getúlio Vargas é bucólica, acolhedora. A camisa do Ypiranga está nas mãos da tia Nelci. Dedos ágeis. Um número sete, de linha verde, surge nas costas. O guri está radiante. A tia Nelci, alegre. Desisti de acabar com o encanto do futebol neste momento encantador. Já sei! Não vou deixá-lo ver o treino do Grêmio. Pelo menos, não sofrerá pelo tricolor. E, as alegrias? E, Renato, Valdo, André? Vá, Maurinho! Vá ser tricolor pela vida.

Como diria um antigo narrador de futebol: 'o tempo passa!' Foi lá no Boldo, céu aberto, verdes anos, muito para contar. O passe longo de Carlinhos. Está no ataque. Viu o goleiro atrapalhado. Está próximo, quase colado. A bola vem rápido, salta, abre as pernas, deixa passar. O desespero do goleiro atrás da bola entrando no gol é uma cena que adoro. "Beleza, Maurinho! Dá um abraço pelo meu gol sem quer", disse Carlinhos. Fiquei sem coragem de atrapalhar. Vamos em busca de outro momento. A paixão é mais duradoura do que se canta.

Vestiu uma camisa listrada, azul e branca, uma estrela solitária no peito e entrou de central contra o time da Prefeitura. O Hélio Moritz foi um desejo nos tempos de guri. A bola veio longa, desviou na perna, enganou Valdemar e se transformou em gol. Desesperado. É agora a hora de acabar com futebol. Seria justo terminar num fracasso? Deixei correr. Vi a dura batalha em busca do gol reparador. Lutou, correu, acertou a trave, duas vezes, e nada. O time virou e recebeu o carinho dos amigos. Agora! Espera até os elogios. O pessoal contou que o comentarista da rádio Princesa falou que 'era uma injustiça o Moritz perder, justamente com um gol contra deste guri talentoso e raçudo". Bom! Elogio, quem não gosta! Em Lages será impossível acabar com a paixão.

Florianópolis explode em desejos. O futebol e as meninas. Tão sonhadas, tão lindas. A vida é uma festa em Capoeiras, Universidade, São José. Vou esperar um tempo para destruir o futebol para o Mauro. As conversas com o Mário, Márcio, Beto e Lessandro eram loucuras. Futebol, pouca coisa! Grêmio discutido, dissecado, filosofado, delirado. Tão divertidas conversas. Dá pena acabar! Notei que já era quase Natal. As músicas embalavam os comerciais. Dezembro, de 83. Madrugada. A eletrola da sala a todo volume na rádio Gaúcha. Haroldo de Souza tremulando, tremulando, a voz em cada gol. A tv tinha chiados. Era a imagem vindo do Japão. Gritos, pulos, foguetes. Grêmio, Campeão do Mundo. Nada pode ser maior. Acabar, agora? Nem pensar! Entrei na festa, meio sem jeito, não perceberam, abraçaram-me, cantamos e dormimos, já de manhã, felizes.

Impedir o jornalismo. Incentivar a arquitetura, a medicina, a história, ou qualquer outro curso. Mas, fui distraído por uma lance de Messi. E , quando vi, lá estava ele de branco - 'para ser mais claro' - na formatura. Fiquei emocionado com a alegria do pai e da mãe. E, ao olhar, outra vez, já estava no Diário, escrevendo sobre futebol. Fiquei relendo as matérias e não vi o tempo passar.

Passou! É domingo. Chiko me liga. A conversa foi longa, divertida, amistosa. Ele me convida para fazer um blog para falar de futebol. É agora! O momento certo de dizer não, de romper com futebol. O Pedro me chama. Me distrai e, de repente, me vejo escrevendo um texto sobre uma viagem do tempo para não amar o futebol. Não consegui! Assim como um drible. Este amor está preso no tempo. Vai durar até a alegria de um gol imortal.


A quarta-feira me revelou a bipolaridade que sempre desconfiei. Alegre, pela implosão da Fifa e a tristeza pela podridão do futebol. Vale a pena a paixão e escrever sobre ela? Acho que sim. Os apaixonados formam a resistência do jogo. Vejo futebol como um teatro, uma encenação. Enquanto os atores usarem uma camisa azul, branca e negra, ou for um Messi, estarei na plateia vibrando, chorando, sofrendo, pensando em voz alta, escrevendo este blog. Azar o de vocês.

Nenhum comentário:

Postar um comentário