Mauro
Pandolfi
"Eu vi um menino correndo. Eu vi o tempo..."
A Força Estranha de Caetano Veloso.
Eu
vi aquele menino algumas vezes! Estava sentado na arquibancada do que sobrou do
Vermelhão. Olhos mareados, a camisa azul com a gola vermelha, número cinco nas
mãos, a bola nos pés e a tristeza imensa. "O que é o futebol, Mauro? Por
que eu gosto tanto? Vou passar a vida jogando ou assistindo futebol? Não é
perder o tempo? Cinema não é melhor? Ou, quem sabe, música?" Nada disse.
Fui embora. Foi só um sonho. O guri surge de repente, sem avisar. Passo dias
sonhando com ele. Sei quem é! É o segundo garoto que não entende a paixão pela
bola e fala em perda de tempo.
Tenho
uma obsessão com o tempo. Gosto do passado e suspiro pelo futuro. Se
encontrasse um túnel ou portal do tempo, o que escolheria? Conhecer Pelé ou
Garrincha? Ou quem será o novo Messi? Dúvida que não sei como resolver. Sou
movido a bola. O futebol é um respiro, um alívio, a poesia circular da vida. O
dia a dia é um pênalti e eu sou um goleiro. Geralmente, busco a bola no fundo
da rede. Nem Pelé ou o novo Messi. Buscaria o início da paixão para dela fugir.
O
mundo é um moinho que é movido pelo vento que leva o tempo até a eternidade.
Estou zonzo, estou zen, viajo em busca do desejo. Onde parar? Vermelhão, 1965.
O Huracan marca o gol. O primeiro do estádio de Copacabana. Vejo os olhos
tristes do menino em busca da saída do estádio. Atravessa a rua, entra em casa,
corre para seu jogo de botão. Recupera a alegria narrando um gol de Alcindo.
Linda cena. Como destruir a paixão neste momento?
Erechim
é algo próximo ao paraíso. Meu aniversário. Sete anos. O presente é uma camisa
do Ypiranga. Amarela com golas verdes. Bonita! O sorriso dele é devastador.
Encarei a cena. É agora, pensei. Num átimo, tudo muda. O tempo é mesmo mágico.
Getúlio Vargas é bucólica, acolhedora. A camisa do Ypiranga está nas mãos da
tia Nelci. Dedos ágeis. Um número sete, de linha verde, surge nas costas. O
guri está radiante. A tia Nelci, alegre. Desisti de acabar com o encanto do
futebol neste momento encantador. Já sei! Não vou deixá-lo ver o treino do
Grêmio. Pelo menos, não sofrerá pelo tricolor. E, as alegrias? E, Renato,
Valdo, André? Vá, Maurinho! Vá ser tricolor pela vida.
Como
diria um antigo narrador de futebol: 'o tempo passa!' Foi lá no Boldo, céu
aberto, verdes anos, muito para contar. O passe longo de Carlinhos. Está no
ataque. Viu o goleiro atrapalhado. Está próximo, quase colado. A bola vem
rápido, salta, abre as pernas, deixa passar. O desespero do goleiro atrás da
bola entrando no gol é uma cena que adoro. "Beleza, Maurinho! Dá um abraço
pelo meu gol sem quer", disse Carlinhos. Fiquei sem coragem de atrapalhar.
Vamos em busca de outro momento. A paixão é mais duradoura do que se canta.
Vestiu
uma camisa listrada, azul e branca, uma estrela solitária no peito e entrou de
central contra o time da Prefeitura. O Hélio Moritz foi um desejo nos tempos de
guri. A bola veio longa, desviou na perna, enganou Valdemar e se transformou em
gol. Desesperado. É agora a hora de acabar com futebol. Seria justo terminar
num fracasso? Deixei correr. Vi a dura batalha em busca do gol reparador.
Lutou, correu, acertou a trave, duas vezes, e nada. O time virou e recebeu o
carinho dos amigos. Agora! Espera até os elogios. O pessoal contou que o
comentarista da rádio Princesa falou que 'era uma injustiça o Moritz perder,
justamente com um gol contra deste guri talentoso e raçudo". Bom! Elogio,
quem não gosta! Em Lages será impossível acabar com a paixão.
Florianópolis
explode em desejos. O futebol e as meninas. Tão sonhadas, tão lindas. A vida é
uma festa em Capoeiras, Universidade, São José. Vou esperar um tempo para
destruir o futebol para o Mauro. As conversas com o Mário, Márcio, Beto e
Lessandro eram loucuras. Futebol, pouca coisa! Grêmio discutido, dissecado,
filosofado, delirado. Tão divertidas conversas. Dá pena acabar! Notei que já
era quase Natal. As músicas embalavam os comerciais. Dezembro, de 83.
Madrugada. A eletrola da sala a todo volume na rádio Gaúcha. Haroldo de Souza
tremulando, tremulando, a voz em cada gol. A tv tinha chiados. Era a imagem
vindo do Japão. Gritos, pulos, foguetes. Grêmio, Campeão do Mundo. Nada pode
ser maior. Acabar, agora? Nem pensar! Entrei na festa, meio sem jeito, não
perceberam, abraçaram-me, cantamos e dormimos, já de manhã, felizes.
Impedir
o jornalismo. Incentivar a arquitetura, a medicina, a história, ou qualquer
outro curso. Mas, fui distraído por uma lance de Messi. E , quando vi, lá estava
ele de branco - 'para ser mais claro' - na formatura. Fiquei emocionado com a
alegria do pai e da mãe. E, ao olhar, outra vez, já estava no Diário,
escrevendo sobre futebol. Fiquei relendo as matérias e não vi o tempo passar.
Passou!
É domingo. Chiko me liga. A conversa foi longa, divertida, amistosa. Ele me
convida para fazer um blog para falar de futebol. É agora! O momento certo de
dizer não, de romper com futebol. O Pedro me chama. Me distrai e, de repente,
me vejo escrevendo um texto sobre uma viagem do tempo para não amar o futebol.
Não consegui! Assim como um drible. Este amor está preso no tempo. Vai durar
até a alegria de um gol imortal.
A
quarta-feira me revelou a bipolaridade que sempre desconfiei. Alegre, pela
implosão da Fifa e a tristeza pela podridão do futebol. Vale a pena a paixão e
escrever sobre ela? Acho que sim. Os apaixonados formam a resistência do jogo.
Vejo futebol como um teatro, uma encenação. Enquanto os atores usarem uma
camisa azul, branca e negra, ou for um Messi, estarei na plateia vibrando,
chorando, sofrendo, pensando em voz alta, escrevendo este blog. Azar o de
vocês.
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