segunda-feira, 3 de julho de 2017

"Meus amigos...!"

 

"Trivela; zona do agrião; macaquinho namorado de girafa, bola ou búrica?; linha burra de quatro zagueiros; subir o morro; estar no bagaço; a vaca vai para o brejo; entregou o ouro aos bandidos; fazer borbulhar; dar amarelão, mostrar o mapa da mina; feijão com arroz; catimba; coelhinho de desenho animado; quizumba; carne assada; cabeça de bagre; sair de pires na mão; ir na podre, bola de rúgbi."
Expressões criadas por João Saldanha. Algumas ainda são repetidas pelos comentaristas de futebol.

Mauro Pandolfi



'Meus amigos...' Assim João Saldanha começava seus comentários no rádio e na tevê. Ele tornou-se o mais visível dos torcedores comuns. O culto homem que decifrava o jogo, explicava o que via, numa linguagem tão simples, tão fácil, que todos pareciam entender de futebol como ele. Afinal, era desta maneira que discutiam futebol numa mesa de bar. O vendedor de picolé, o pipoqueiro, o 'geraldino' tornaram-se especialista no jogo. E, o sossego dos treinadores terminou. João Saldanha foi mais fantástico jornalista esportivo deste país. Um mito, uma lenda, o homem que inventou 'feras', criou a base do time que foi o maior da história. Saldanha era um homem destemido, corajoso, contador de história, polêmico, genial. João Saldanha faria cem anos neste 03 de julho. Como alguns poucos, João Saldanha é eterno.
Eu era um menino que amava futebol. Mexia nos meus botões, no grande rádio de madeira da cozinha sempre sintonizado na Rádio Clube, que aprendeu a ler num jornal esportivo e esperava ansioso o comentário daquele homem toda a noite no Jornal Nacional. Às vezes, distraído, meu pai me chamava. Aquele minuto era mágico. Com ele, a paixão pelo futebol respingou no jornalismo. Depois, descobri Ruy Carlos Ostermann. Entendi a complexidade do jogo, a filosofia, o pensar elaborado, a tática. Só desligava o rádio depois do comentário do Ruy. Aí, já era tarde. O jornalismo já tinha alvejado a alma. Mas...
Acompanhei sempre João Saldanha. Li seu livro 'Subterrâneo do Futebol',  ouvi seus comentários nas mesas redondas, o seu mau humor com o futebol moderno, os livros que mostram, sem decifrar, o imenso homem que foi. O abusado, visceral, às vezes, rude, temperamental, politicamente incorreto, o genial comentarista, o preciso analista político. Gostava mesmo de suas histórias. A que mais gosto é do pisão do pé que deu em Mao Tsé Tung ao entrar, vitorioso, em Pequim: "Polla, João!.." teria dito Mao. Não sei se era mentira. Era encantador!
Duas coisas de João Saldanha são eternas para mim. 'As feras do Saldanha' quando convocou a seleção pela primeira vez. Aquela Gazeta Esportiva, com a esta manchete ficou guardada um tempão nos meus alfarrábios. Não sei como a perdi. Outra, era a despedida. Dois dedos na testa, num cumprimento que lembrava uma continência, o sorriso de canto de olho e o 'até amanhã!'  Falta alguém como João para explicar de maneira tão simples como o Brasil enlouqueceu.

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