sexta-feira, 7 de julho de 2017

A mitologia de uma derrota

 
"Uma outra  'poesia' inesquecível: Valdir Peres; Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico; Serginho e Éder. O poema começa torto. Mas, aos poucos revela magia, encantamento, tristeza. Lindo!"
A Seleção de 82 é um belo poema que recito sempre quando falo de futebol.

Mauro Pandolfi

Há derrotas maiores que as vitórias. Ficam eternizadas em corações e almas. São fantásticas, inesquecíveis, perdoáveis. Este mês uma delas 'comemora' 35 anos. O rústico Sarriá foi o palco da última 'derrota vencedora' da bola. Viu Paolo Rossi aniquilar os sonhos de Zico, Falcão, Sócrates, Júnior e todos os deuses da mais encantadora Seleção Brasileira. Perder de 3 a 2 para a Itália deixou aquele escrete do tamanho do time de Pelé, Tostão, Rivelino, Imortais! Todos eles! A vitória é só uma ilusão fugaz. O que sobrou do Brasil de 94? Romário? E a de 2002? Rivaldo e Ronaldo? Parreira sempre será um burocrata e Felipão foi tragado pelo 7 a 1. Ficaram os títulos na história, belas manchetes, povo gritando pela rua...só! Mas, fale de 82? Há o encanto, a mitologia, o fascínio, os craques. A derrota foi o que o melhor poderia ter acontecido a esta geração. Telê Santana virou signo, símbolo, emblema de arte. A equipe tornou-se eterna! Amamos os 'derrotados'! Glorificamos o que poderia ter sido, assim como o Brasil que um dia Stefan Zweig chamou de 'país do futuro'. Um futuro sempre conjugado como pretérito.
As vitórias não são menores que as derrotas. As Alemanhas, de 54 e 74, e a Itália, de 82, são esquadrões dos mesmo patamar dos 'deuses vencidos' destas copas. Ou, até melhores. Como ignorar Fritz Walter, Beckenbauer ou Scirea? Geniais, mitos, referencias.  Equipes organizadas, hábeis, nada burocráticas, como contam alguns jornalistas ou historiadores, de um fascinante jogo coletivo, que só ressaltou o brilho individual. A Itália de Enzo Bearzot era moderna.  Gentile foi a única lembrança do catenaccio.  O time atacava e defendia em bloco, não se chamava ainda de 'compactação'. Tardelli controlava o meio-campo ao lado do estilista Antognoni, tão genial que jogaria junto com Zico, Sócrates, Falcão e Cerezo em qualquer equipe do planeta. Rossi tinha o instinto mortal que os centroavantes, com o passar do tempo, perderam. E, Bruno Conti, o mais insinuante jogador do torneio. Canhoto, ponteiro direito, flutuava por todo lado. Um desorganizador de defesa. No gol, a frieza, a sorte de Zoff. Não dói dizer, mesmo depois de 35 anos, a Itália era tão brilhante como o Brasil.
Há pouco tempo revi aquela copa. A melhor que vi em minha memória. Grandes times. Extraordinárias equipes. A Argentina nunca teve uma dupla como Ramon Diaz e Maradona. Pena que nunca se acertaram. A França e os seus 10 (Platini, Giresse, Genghini, Lacombe) só repetiu o futebol com Zidane. Quanto tempo levará a Polônia para ter um Boniek e um Lato? A Alemanha tinha Rummenigge e o velho futebol organizado. Até Honduras brilhou. Bittencourt e Gilberto eram talentosos. Nunca mais ouvi falar deles. Talvez, perderam-se nas escaramuças políticas de guerrilhas e populismo de seu país. Como esquecer de Camarões com seu goleirão Nkono e Roger Milla, um quase Pelé africano. E havia o Brasil. Um time que flertava com o sonho de todos nós: livre, democrático, belo. A maior derrota veio dois anos depois. A 'diretas já' só aconteceram em 89. E, deste então, sempre perdemos. Mesmo, quando parecia que tínhamos vencido.

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