terça-feira, 11 de julho de 2017
A derrota
Mauro Pandolfi
Apago a luz, desligou a tevê, ajeito o travesseiro, deito para dormir. Toca o telefone. Já sei até quem é. Não diz alô, nem oi. Pergunta de cara: 'Ainda com dor de cabeça? A minha passou! Só não consigo dormir. Que fiasco! Fui zoado no boteco do Alemão como há muito tempo não era. O que aconteceu com o teu espetacular time, Mauro?" Era Rai Carlos, o vidente cego, querendo dissecar a derrota do Grêmio para o Avaí. 'Não estava escrito nas estrelas este jogo? Ou, nem os videntes acreditavam neste imponderável?', ironizei. Ele riu. 'O deboche faz parte da não aceitação do resultado. Que diferença faria uma previsão? Mudariam o sistema de jogo e os jogadores? Não estava escrito, nem previ. Quero entender o que ocorreu. Soberba?" , questiona.
Levanto da cama, saio do quarto para não acordar a Elaine, vou até a sala e continuo a conversa. 'Não. Foi a vitória de quem acreditou, da humildade, quem entendeu os seus limites e explorou os limites, confiou na luta, na bravura, de quem nunca se entregou. Foi inteligente, perspicaz, eficiente e teve um goleiro excepcional', disse. Há um silêncio no telefone. Achei que Rai tivesse desligado. "Achei que o filósofo fosse eu!", gargalhou. Se estivesse no quarto, Elaine acordaria com aquela 'bomba sonora' que identifica Rai.
'O Grêmio foi o Grêmio de todos os jogos. Controlou a bola, rolou ela de um lado a outro, dominou o jogo, chutou a gol. O de sempre!', expliquei. Inquieto, Rai me contesta. 'Não foi o que vi. Enxerguei um time lento, preguiçoso, sem pressa, sem volúpia, que achava que ganharia o jogo quando quisesse. Sei que você gosta deste jogo tocado, rebuscado, meio Barcelona, eu não! Prefiro a rapidez, a contundência do ataque". São as nossas divergências sobre o jogo, o pensar do jogo. 'Discordo, Rai! Não foi indolente. Foi ativo. Chutou várias vezes em gol. O futebol é assim, cara! Paciência! Nós perdemos o hábito da derrota. Ganhamos um título e gostamos! Queremos mais!' Após a gargalhada, Rai completa: "eu queria os quatro campeonatos. Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores, Mundial. Todos! O Brasileiro, o que eu mais queria, já era. Agora, me contento com um!" Quem gargalhou fui eu! 'Sonha, menino! A vida é, também, para os sonhadores! Perdi isto. Quero um só. Qualquer um!', disse.
Ninguém joga sozinho. Tem o adversário. 'O Avaí foi taticamente eficiente. Segurou o Grêmio no primeiro tempo fechando os espaços na frente da área. Permitiu os chutes de meia distância. Não deu espaços para as tabelas. Isto é um mérito. No segundo, espaçou, alongou, desarticulou o sistema de marcação e de armação do Grêmio. Tá certo que o Renato ajudou ao tirar o Arthur. Surgiram os gols. O Avaí foi idêntico ao Corinthians. Mereceu pela eficiência', tento justificar. Ele contesta. "Não seja politicamente correto. Tô te estranhando! O Avaí fez um ferrolho, um retrancão de time pequeno. Achou um gol. Depois, aproveitou o desespero e marcou o segundo. Só isto? Eficiência? Balela!" Nunca vi o Rai tão irritado com uma derrota. Geralmente, sou eu que o procura para 'amenizar' a dor.
'O futebol é mágico. Foi o que tu me ensinaste, Rai. Não é absoluto, nem definitivo. Flutua na imensidão da dúvida, do brilho individual, da capacidade de reação, indignação, da construção de um pensar de jogo. Futebol é aleatório. O melhor pode perder. Por um erro, por soberba, pela beleza do jogo que é imprevisível, como a vida, os amores, os ódios. Isto faz o futebol ser espetacular. A melhor invenção ...' Não consigo terminar. Interrompe. "Sei de tudo isto. Estes conceitos já discutimos tantas vezes. Mas, o fiasco foi devastador. Foi o triste o domingo. Vou ouvir os meus blues, tomar mais um gim e tentar dormir. Boa noite, Mauro!" Desligou o telefone. Poxa! O futebol tem toda a magia. Porém, quem disse que a magia não pode ser triste. E, foi!
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