segunda-feira, 10 de abril de 2017

Oitenta!



Mauro Pandolfi

"64, 66, 68, um mau tempo talvez
Anos 70, não deu pra ti
E nos 80 eu não vou me perder por aí..."
A linda Horizonte, de Flávio Bicca, para a peça 'Bailei na Curva', não impediu o meu engano.

Stefan Zweig morreu iludido. O Brasil nunca será o país do futuro. Está encurralado num passado que nunca passa. Na espiral da história, às vezes, o passado é ultrapassado por um presente. Tão efêmero, fugaz, rápido. É só um engano, um devaneio, uma ilusão de ótica. No domingo, revivi um ato corriqueiro do passado e raramente vivido hoje, entrei numa banca de revista. Busquei a Placar. Pensava numa capa de Neymar, Gabriel Jesus, Flamengo, Palmeiras, Chapecoense  ou Grêmio. Encontrei um documento, dossiê, memória sobre o futebol dos anos oitenta. Folhei a revista. Vi Zico, Sócrates, Telê, Renato. Todos lá! Os mitos, os ícones, os coadjuvantes, os vilões, os sonhos de uma década tão fantástica que  revelou-se perdida. Ainda não li a Placar. Parece um 'inventário' da minha vida. Estou com medo de ver os meus erros, enganos, desilusões, equívocos. E, o pior: os acertos!
Já sonhei com um despertador de um som diferente. Um trambolho ao lado da cama. Escrevi sobre este doce engano para o encontro dos jornalistas da turma de 1982. Uma esperança de iludir o tempo. Ser o que já fui. Fomos quase todos. Lindos, envelhecidos, saudosos exatamente como a vida nos preparou. Somos 'outros' sendo os mesmos. A conversa foi o 'tempo eterno'. As histórias, lembranças, o vivido, o sonhado. É o caso da Placar. Recontar um período 'mágico, encantador' do futebol brasileiro. Os anos oitenta foi a última 'onda' do lendário jogo que foi mais fantasia do que realidade. Ela sucede os anos 50 e os anos do tri mundial. Onde o futebol era encantador, arrebatador, arte em estado puro. Pena que a ilusão é eterna. Aplaudimos, sonhamos, desejamos um jogo que foi mais 'quimérico, um devaneio' do que jogado. Somos reféns, escravos de um  futebol 'solidamente imaginário'. Os conceitos, as análises, a qualificação dos times, das partidas, dos jogadores ainda pertencem a este tempo. Não entendemos o novo, o atual, o contemporâneo. Não percebemos que vivemos o  passado. E, como já disse, ele nunca passa. Está numa foto, numa reportagem, numa lembrança, na memória.
A palavra que melhor revela os anos oitenta é a 'frustração'! Uma geração dourada.mítica. Seus nomes declamados como poesia. Heróis, como a capa de Placar, onde Sócrates, de Dom Pedro I, reproduzia o 'fico' do imperador se a emenda das 'Diretas Já' fosse aprovada. Não passou! Milhões de pessoas nas ruas ficaram desoladas. Exatamente igual com a derrota da genial Seleção de Telê para a Itália de Paolo Rossi. Perdemos, tudo, sempre. No futebol e na política. Do belo jogo da turma de Zico, Falcão, Júnior, da democracia corinthiana, passando pela morte de Tancredo, pela Constituinte, chegando em Sarney, desejando o 'Lula lá', terminando em Collor e Sebastião Lazzaroni, não segui o aviso de Flávio Bicca. Se a década de 80 é chamada de perdida, o que pensar dos anos 90 e século 21? Bom, já é  uma outra história.

Nenhum comentário:

Postar um comentário