quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Testemunha ocular


Mauro Pandolfi

“A verdade histórica não existe. A História não é mais do que uma ficção. Quer dizer, uma ficção com mais dados, concretos, reais, mas também com muita imaginação.” 
A frase de José Saramago é uma boa descrição de Pelé, assim como a visão de Sigurd Larsen sobre o Rei do futebol.  O que importa é a magia, o encantamento do conto. A 'verdade' pode ser só um engano.

 Pelé! Não precisar dizer mais nada. É o futebol! Nunca vi em campo. Assisti algumas vezes, ao vivo, pela tevê. Procuro no YouTube os jogos perdidos do Santos, do Cosmos, da mágica seleção de 70. Li muito sobre ele. Toda a mitologia que o transformou em Deus da bola. Único, onipresente, eterno. Conversei com pessoas que assistiram seus jogos. Contam lendas que transformam verdades em histórias. Preciosas, líricas, épicas. Esta semana conheci Sigurd Larsen. Um sueco que assistiu a gênese do mito. O início do futebol. A estreia de Pelé, como titular, em Copas do Mundo. "Aquele gol contra País de Galês é o mais bonito que vi num campo de futebol. Todos falam do drible, do chapeuzinho, como dizem vocês, do chute. O que me chamou a atenção foi o movimento de Pelé. Ele estava no meio do campo. A bola era jogada no lado esquerdo. Pelé partiu feito um aríete. Não prestaram atenção nele. Ninguém o percebeu. Acho que só eu prestava atenção. Não gritei pois torcia para o Brasil. Pelé invadiu a área, recebeu a bola, driblou um e fuzilou o goleiro. Nunca vi gol igual aquele. Me emociono em lembrar", revela Sigurd Larsen, a 'testemunha ocular da história'.  Achei que nunca usaria a frase lendária do Repórter Esso. Agora, quem se emocionou, fui eu!
Ele não acompanha muito futebol. Mas, Pelé é inesquecível. "Logo ao entrar em campo notei que era diferente. Não parecia um jogador de futebol. Era um atleta como Emil Zatopek. Não tinha barriga feito os outros", ri de sua observação. Pergunto se Messi é melhor. "No, não, incomparável. Pelé és único!", retruca numa portunhol 'gingado'. Parecia que a sua certeza era para agradar os brasileiros que o recebia. Falei, para provocar, que considerava Messi superior. "Está enganado. No, não, niet! Pelé és Pelé!" reafirmou. É Torcedor do Idrottsforeningem Kamraterna Gotemburgo (O IFK) - 'nome destroncado', diria um antigo comentarista ilhéu -, 'os anjos', 'os camaradas', como são conhecidos . Bianca disse que o pai lembra de mais um brasileiro do futebol. Garrincha? perguntei. " O das pernas tortas? Grande, grande, grande! É de Marta que falo. Linda, estupenda, fantástica!" Ficou intrigado com a minha surpresa. "Não gosta dela?", indagou. Gosto! O futebol feminino é tão estranho por aqui. Acompanhamos a cada quatro anos. Depois, some sem deixar vestígios, expliquei
.Sigurd Larsen é o pai de minha prima Bianca. Ela o conheceu há pouco tempo quando foi morar na Irlanda. O encontro gerou uma história muito bonita. Pai e filha se conhecendo, se reencontrando, inventando uma relação amorosa típica de filme (Bianca é diretora de arte de cinema), de contos, de romance. Bianca nos apresentou numa noite de pizza na casa de minha mãe. Muitas histórias, risadas, descobertas. Aos 81 anos, Sigurd é um aventureiro. Viaja sozinho. 'Está no sangue viking", explicou. Já percorreu o Caminho de Santiago de Compostela algumas vezes. "Muita energia, não no sentido religioso. É o reencontro com você mesmo. Na viagem, há meditação, a tua vida, seus sonhos, desejos, mudanças". Sigurd é uma doce pessoa. Alegre, gentil, educado, adorável. Fisicamente, lembra muito Jacques Tati em seu filme 'Férias do Senhor Hulot". Volte em breve, Sigurd!

Nenhum comentário:

Postar um comentário