quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O dez, sempre!


 Mauro Pandolfi


Detesto o dez! Não entendo o culto a este mítico 'craque' alegórico de um futebol que nunca existiu. 'O cabeça pensante' que elabora o lance decisivo, mortal, é uma invenção dos anos 40; santificado nos anos 50 e 60; endeusado dos anos 70 e 80; sobrevivente nos 90; e um zumbi neste século.
Aquele meia blasé, indiferente, que flutuava no campo, passeava a sua indolência, a sua preguiça e, de repente, num passe, resolvia o jogo é um devaneio poético do folclore brasileiro. Tão real como o saci pererê. "Deus castiga quem o craque fustiga" foi um axioma cretino que manteve - e mantém - o pictórico em campo.
Todos suspiram um lance genial, decisivo, arrebatador, orgástico, de tão inútil 'craque'. Mas, ele, raramente, acontece. E, quando ocorre, é em um jogo fácil ou decidido. Ganso, Douglas, Zé Roberto, Adrianinho, Renato Cajá, Wagner são os emblemáticos dez deste tempo.
Publiquei este texto em fevereiro de 2015. E todo início de temporada é a mesma ladainha. 'Falta  o dez!'  O mantra reverbera feito péssima poesia. É declamado em todo canto deste ajuntamento. O time desorganizado, frágil, sem jogadas, requer um dez. A solução de torcedores e jornalistas - para minha surpresa, mais jovens do que velhos. É o antigo olhar sobre o jogo. Futebol de funções é mais fácil decifrar, explicar, entender. Cada um na sua. O somatório de indidualidades que provoca o coletivo.  
Tudo mudou no futebol. A bola continua redonda. Mas, é outra. Tecnologia no gramado, nos uniformes, na preparação dos times. O que continua resistindo é o nosso olhar sobre o futebol. Somos os mesmos, eternos, suspiramos pelo jogo que existe na memória de criança. No jogo contado feito lenda, imaginado por uma narração fantástica, por histórias épicas, por uma mentira, para enganar Mário Quintana, que aconteceu algumas vezes.  A mitologia sobrevive a realidade e procuramos nos jogadores de hoje os ídolos de ontem.  O passado é sempre melhor, mesmo quando farsesco. 
O futebol, hoje, é de posicionamento. é do coletivo que surgem as individualidades. A intensa rotação, movimentação, o jogo no espaço vazio. Quem fica parado é poste, diz José Simão,  perde a partida. Não é o dez que faz falta. É o erro de concepção, de armação, de estratégia, de tática.  Nunca o futebol foi tão bem jogado como agora. Requer todas as valências. A principal delas é a inteligência.  Todos devem fazer tudo. Até o goleiro virar artilheiro. Triste o nosso futebol que não entendeu a evolução. O conservadorismo impediu um novo Rogério Ceni. Goleiro é para defender, zagueiro para zagueirar, atacante para atacar, meia para criar....E assim vamos tropeçando nas competições internacionais.
O Super Bowl me encantou. Não pelo evento, pela organização, pelo show. Foi o jogo. Especialistas em campo. Há um time para defender. Imensos marcadores. Duros. Passam uma temporada, uma carreira, sem encostar na bola, como alguns cabeças de áreas que conheço.  Reconheci nos velozes, magros, esguios, ágeis, dribladores os antigos pontas. O jogo pelo lado, até o fundo. Nada supera o quarterback. Pouca mobilidade, certeiro, inteligente, passes medidos. Exatamento como um dez. Não é Ganso, com sua atávica preguiça, e nem Hazard, com a impetuosidade, que cabem no figurino do alamejado, suspirado, desejado, dez! É Tom Brady! Perfeito, mágico, cerebral, 'cabeça pensante'. O problema é que joga com a mão. No futebol daqui é falta. Que pena!


2 comentários:

  1. Também por seguir esta linha, do passado melhor que o presente, que nosso imortal disse: Fui melhor do que Cristiano Ronaldo é hoje...
    Não sei se é a paixão que me faz pensar assim, mas concordo com Renato.
    Abraços.

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    1. Bom dia, Alexandre!
      Escrevi um texto sobre a pergunta que varou a internet. Será que Portaluppi foi melhor que Cristiano Ronaldo? A minha resposta está lá. Grato pelo elogio da crônica 'O primeiro amor'. Abraços.

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