terça-feira, 26 de julho de 2016
O café e o sonho
Mauro Pandolfi
Entro na padaria e encontro o meu amigo Rai Carlos, o vidente cego. 'Nunca imaginei te ver aqui, tomando um café com sonho. Tudo bem, meu caro?'. A gargalhada atraiu todos os olhares. "Meu bom, Mauro! Um homem não vive só de gim e breguetes de bar. O café ajuda abrir a mente, a percepção, as ideias. O café é um gim quente, matinal. O sonho é uma alegoria da vida. Um agrado. Não estou doente, viu?" O abraço é afetuoso. Trocamos o balcão por uma mesa. Vamos colocar a conversa em dia. O tempo, a correria, a batalha do cotidiano, nos afastam. Os encontros são um acaso. "Acasos não existem. São programações do destino. Sempre que precisamos, nos achamos. Já te disse, que em algum tempo ou lugar, fomos um só. A necessidade, a precisão nos juntam. Sabemos sempre quando precisamos nos encontrar". Já que é assim, então vamos lá...
"Lembrei de você, Mauro! Escutei a vitória do Grêmio. Vibrei muito, gritei gol com fúria e prazer. Há tempo que não curtia um time como este de hoje. Talento, habilidade, jogo moderno, estas coisas que tu sempre cobrava do Grêmio. Imaginei a tua alegria. Tu precisa mesmo de uma alegria. A vida está um pouco pesada, né?" Às vezes, acho que a história de um só é verdadeira. Não é um delírio metafísico do Rai.
'O futebol é a minha paixão. Meu escapismo mágico. Nunca alienante. Mas, delicioso. Ajuda levar a vida com mais ardor, amor, coragem e, eu acho que não tenho mais, mas sempre me agarro nela, a esperança. Ser campeão será um marco, uma reviravolta, tanto no Grêmio, como na minha vida. Não quero falar sobre a vida, a situação, os incômodos, a dureza, o meu medo da chuva. Quero curtir o futebol e as minhas paixões coloridas espalhadas pelos campos do Brasil. Eu adoro o futebol, Rai!' Outra gargalhada que estremece a padaria. O pessoal conhece ele e se diverte com a sua estridência.
"É o tempo da virada, Mauro! Tudo mudará. Espere, tenha paciência, fé. Sairemos da inhaca, do inverno da vida. O verão é mais que uma esperança. O sol tem olhares especiais para nós. As luzes vibrarão. Espere!", reflete. 'Quero só futebol, hoje. Comemorar o momento. Não suspiro tanto por um título. Me entusiasmo com o jeito de jogar. A alegria, a felicidade, a beleza do jogo. Isto já me satisfaz. Abandonamos os chutões, as retrancas, as divididas. Jogamos, Rai! E, como jogamos!' explico numa euforia quase sem sentido.
Na tevê, passa o gol de Marcelinho Paraíba do Inter de Lages contra o Caxias. 'Golaço!', exclamo. Rai dá mais uma gargalhada. Apenas uma senhora procurou o autor. O restante, acostumou. "Tu és um paradoxo. A melhor justificativa para a tolerância. Como um gremista torce para um colorado? Como equilibra a paixão em dois polos diferentes? Os dois são vocês! O menino que amava o Vermelhão. Que sonhava com a arquibancada gritando o seu nome! E, o jovem, o adulto, o maduro que saboreia o Grêmio. A tua existência pode ser medida pela bola. Teus amores, as paixões, os desejos, as entregas. Não somos únicos. Somos vários, Nem sempre com o mesmo pensar. A tolerância começa em aceitar as nossas diferenças. As escolhas, que parecem, antagônicas. E, são apenas complementares", filosofa.
São duas da tarde. Chegarei atrasado no trabalho. Vou feliz. Encontrar Rai é uma boa maneira de começar a semana. Me despeço. Ele diz: " Vá com Deus! Curta a felicidade dos seus times. Aproveite! Leve esta alegria para toda vida!" Nos abraçamos, dou um beijo, carrego a sacola de pão. A felicidade numa bola. O meu mundo passa por isto. Vou assobiando. E, isto quem nem falei do meu Ypiranga. Quem sabe o Canarinho não apronta contra o Flu?. Mordo o sonho. E, apesar de não acreditar mais em sonhos ou utopias, invento o meu sonho.
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