quarta-feira, 20 de julho de 2016

Dom de iludir

 

Mauro Pandolfi

A bola alta na área.  Solta, despretensiosa, perdida. O 'diez' está atento. Corre em direção ao goleiro.  Antecipa o pulo. Com um toque sutil com a mão desvia. Ao iludido goleiro resta só observar a bola chegando macia na rede. Gol com a 'mano de dios'. O lance mágico de Diego Maradona tem trinta anos. Ele tem orgulho do feito. Anda de queixo erguido, brilho nos olhos, sem o menor remorso do ato ilícito. Cinismo ou seria apenas uma malandragem que a bola permite, incentiva, aplaude? Será que Maradona repetiria a cena hoje? Acredito que sim! No entanto, ela não seria vista como um 'feito, uma catimba'. Seria execrada. Um ato que fere a ética. Desonesto. O futebol anda chato.  Não sei se é pelo jogo mal jogado ou pelas restrições de opiniões, piadas, pelas normas, regras de conduta, comportamento? Até os apelidos desapareceram. Há nomes compostos. Para dar um ar de seriedade ou alguém contrataria um tal de Bilau, artilheiro do São Raimundo na série D? Afinal, o São Paulo desistiu de contratar Milton Caraglio. Não pelo futebol. Como disse o José Simão, 'foi pela piada pronta'.
A bola vem alta na área. Solta, despretensiosa, perdida. O 'diez' esta atento. Corre em direção ao goleiro. Não alcança. A bola passa, rumo a linha de fundo. Lionel Messi não é Maradona. É incapaz de um ato desonesto no jogo. Fora, é outra história! Messi tem uma cara honesta. É ético. Ele sabe que o futebol tem uma nova ordem. Seria criticado, amaldiçoado, demolido. A ética da vida social é a mesma do futebol? Ou, vale tudo pela vitória? Os torcedores reclamam do fairplay. Tanto a favor, quando seu time pratica. E, contra, quando o adversário ignora. Ele ainda sonha com a vitória com um gol impedido, com a mão ou no erro da arbitragem. Mas, repudia o 'engano' do juiz na derrota. O torcedor é um cínico!
A bola com atacante. Domina, faz embaixadas, olha o adversário, baila para um lado, volta. A reação é forte. Recebe uma entrada violenta. Dedo em riste, cobrança. Humilhação. O adversário não admite o drible, o chapéu, a risada. Sente-se desrespeitado. Há jornalistas que concordam. Pedem respeito, seriedade, juízo. Ah, às vezes, o árbitro dá um cartão amarelo. Não para quem agrediu, ameaçou. Para quem brincou com a bola, com o futebol, com a alegria. É preciso ética no jogo. Não algo que interfira na 'mágica', no dom de iludir, na astúcia de um ilusionista.
O politicamente correto trafega na perigosa fronteira entre a virtude e o puritanismo. Um pouco para cá, justiça. Um pouco para lá, moralismo. No futebol, é mais complexo. A vitória, exigida pelo torcedor, pode ser conquistada a qualquer preço? A derrota é sempre maldita. Uma simulação de falta, pênalti cavado, um gol com a mão é uma desonestidade. O erro da arbitragem é um equívoco, engano, ilusão'. Aliás, no jornalismo atual, 'suposto equívoco'. Maradona, com o 'mano de dios' foi um canalha, um 'bendito canalha!', para os amantes da esperteza, da malandragem, dos catimbeiros. E, o título que Márcio Rezende tirou do Santos e deu ao Botafogo, o que é? O lance de Maradona é fantástico. Maravilhoso! O 'equívoco' - desculpe-me, 'suposto' - de Márcio Rezende é um 'erro humano'!
Estou em dúvida: sou um fundamentalista correto ou um cínico iludido pela bola?

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