sexta-feira, 8 de julho de 2016

Gol do passe

 

Mauro Pandolfi

O goleiro rola a bola para o lateral esquerdo. Ele passa para o zagueiro. A bola segue de pé em pé até chegar no meia. Domina, um passo e um passe perfeito. Milimetricamente desenhado.  Na área, o atacante recebe. Rápido, toca de calcanhar. O centroavante invade e fuzila o goleiro. 20 toques. 10 jogadores. Um gol de passe. Um gol que descrevo como anônimo.  Não sei o nome de todos os jogadores do Atlético Nacional que inventaram o lance. Sei que o passe magistral foi de Torres. Quem toca feito um Sócrates é Moreno. O autor do chute fatal é  Borja. Se eu fosse um narrador, este texto seria mais poético, lúdico e eufórico, talvez terminasse o lance assim: "Gooooolllll!!!! (a garganta explodiria nos inúmeros eles). Gol do futebol. Gol da magia. Gol do novo. Gol antigo. Gol desenhado. Gol em verso. Gol em prosa.  Gol mágico.  Gol que eu gostaria de ter feito. Gracias, Atlético. Gracias, bola. Gracias, vida. Que bonito é o futebol!"
A bola suspira por pés mágicos. Com asas na chuteiras desfila a sua alegria. Os dribles tornam os jogadores Chaplin. Para lá, para cá. Vai, volta. Engana. Chiko Kuneski é um apaixonado pelo drible. Valoriza, salienta e traças linhas poéticas que driblam a aridez do futebol atual. Eu prefiro o passe. Gosto do jogo planejado, arquitetado, pensado. O passe tem a beleza da prosa. Sempre vai. Quase nunca volta. A bola tem um rumo. Guiada para o fundo da rede. Este gol do Atlético Nacional é o mais encantador do ano. É o futebol em seu estado mais lírico, lúdico, brincadeira de meninos. Não vai ser eleito. Aparecerá um chute maravilhoso ou uma jogada individual de vários dribles. O passe é o lance 'marginal' da bola. Às vezes, ignorado. Raros os momentos que é tratado como arte.
Não vi o gol ao vivo. Só nos melhores momentos do jogo. Troquei o moderno futebol, o melhor das Américas, do Nacional, pela paixão tatuada na alma. Fui ver o Ypiranga. O meu primeiro time, a primeira camiseta, o primeiro amor. A magia daquela camisa era o número sete bordado pelas mãos ágeis da tia Nelcy. Vibrei, pulei, torci, sofri. 832 pessoas assistiram no estádio. Milhares no Brasil. E, toda Erechim fez uma festa. Nem o poderoso Fluminense impediu o 'canto' do Canarinho. O sonho de ir longe na Copa do Brasil é só um sonho. Mas, às vezes, os deuses da bola ficam distraídos, sonolentos ou galhofeiros. Quem sabe, o Ypiranga se torne uma Islândia. Erechim é muito fria. Às vezes, tem neve. E, aquele céu colorido do final da tarde, tão belo, é Aurora Boreal?

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