Mauro Pandolfi
É
difícil atravessar a cidade com um campo de botão. Entrar no ônibus,
também, foi complicado. A sorte foi um cobrador gentil, atencioso e
jogador de futebol de botão. Ele permitiu a nossa entrada e saída pela porta de
trás. A aventura aconteceu num sábado de 1993. Eu e o Márcio fomos até a
Fedato Sports, que ficava na Jerônimo Coelho, em busca de um campo que
ele tinha visto, cobiçado, desejado e sonhado. Parecia um campo de
futebol como o Serra Dourada. Listrado em tons de verde claro e escuro.
Cercado por um metal que lembrava a geral. Aproveitamos e compramos
duas traves novas. As redes eram do tipo 'véu de noiva'. Aqueles que
balançam e aninham a bola como um ato de amor. Belo estádio!.
Dois
' piás' em um sonho. O gerente da loja veio nos atender. Ele também
gostava de jogar botão. Trocamos dicas, regras, macetes. Havia três
tamanhos de campo. O Márcio queria o maior. "Dá para fazer lançamentos e
distribuir o time", explicou. Eu preferia o menor. Márcio protestou.
"Não, não, não! Campo pequeno é para retranqueiro. Nem pensar. Te
conheço", disse. Ficamos com o médio. Foi muito engraçado andar no
calçadão com aquele trambolho. Cada um segurando um lado. Ás vezes, um
na frente do outro. Noutras, lado a lado. As pessoas olhavam e nós
ríamos. Só de lembrar, fico com vergonha que naquele dia não tive.
Campo
instalado. Lustrado. Em cima da mesa da sala. "Não vão arranhar a mesa,
viu?", reclamou a dona Lídia. Não ligamos, não ouvimos, o pedido da
mãe. Um em cada lado. Times escolhidos. Os goleiros eram os que vinham
com o jogo. A caixinha de fósforo com peso dificultava o gol. Os botões
eram antigos. Comprei em 1971. Foi uma fase de jogo de botão na rua e no
colégio. Sempre cuidei deles com carinho. O Márcio os mantém
até hoje. Passei várias tardes da adolescência jogando. Bons tempos,
hein?
Corinthians
x Cruzeiro. O jogo escolhido. Como os dois queriam o Grêmio, ele foi
tirado do sorteio. Eu peguei o Timão de Sócrates e Palhinha. Os botões
tinham os retratos dos jogadores. O Cruzeiro de Dirceu Lopes e Nelinho
foi a escolha do Márcio. Times armados, distribuídos em campo.
Confirmamos as regras do jogo. Três toques a parir do meio-campo. Chute a
gol só da intermediária. Quem tinha a posse de bola, em cada toque,
podia mexer em dois jogadores. Três faltas, cartão amarelo; na quarta,
expulsão. A regra era clara.
O
Márcio é um hábil jogador de botão. Tem lances ensaiados que detonam
qualquer adversário. Falta a favor dele é um perigo. O cruzamento é meio
gol. Seus botões pareciam cabeceadores fenomenais. Ele gostava de jogar
com bolas longas. Bem armado taticamente. Um craque!
Eu
era mais pragmático. Gostava de armar uma boa defesa. Três defensores
fechavam a grande área. Dois laterais e três meias preenchiam o
meio-campo. Um atacante pelo centro. Outro, aberto, entre o lateral e o
zagueiro. Futebol moderno. "Retranca!", berrava o Márcio. É uma questão
de olhar.
O
jogo flui. Márcio procura o gol. Tenta as bolas longas. Mas, elas
geralmente paravam nos meus jogadores. Aí, eu tocava sem pressa. A bola
no meu campo. Analisava o posicionamento. Só aí buscava o gol. O Márcio é
sanguíneo, ficava irritado com a demora e a posse de bola. 'Vem pro jogo,
porra! Saí da retranca!", explodia. Eu, feito um estrategista, um Rinus
Michels, especulava o jogo. Ah, cada um narrava os seus lances. Também,
comentava. Era um tal de retranqueiro ou de futebol moderno. Exatamente
como é hoje.
O
Márcio atacou. Confiou demais na sua habilidade. Deixou um espaço no
lado esquerdo. Ele errou a jogada. A bola ficou comigo. Sócrates
segurava o disco. Mexi em Vaguinho. Posicionei Palhinha. A jogada deu
certo. Palhinha, cara a cara com Raul, tocou no canto. "Timão! Timão!",
simulei o grito da torcida. 1 a 0 bem no final do primeiro tempo.
Furioso,
Márcio amassou o meu time no segundo tempo. Armou uma estratégia que
encaixotou o Corinthians. Não consegui sair. Não armei nenhum
contra-ataque. Estava encurralado. Mas, o gol não saía. Eu era um bom
goleiro. E, tinha uma 'leiteria' danada. Bola na trave, no zagueiro. A
pressão foi intensa. Numa cobrança de falta. Nelinho acertou o ângulo.
Não sei como aquela bola pegou altura. Fim de jogo. Empate. O sorriso do
Márcio era de uma vitória que não veio por detalhes. Trocamos abraços
depois da epopeia. A mãe chegou na sala aquela hora. "Pensei que vocês
estavam brigando. Eram gritos, assobios, xingamentos", disse.
Explicamos, abraçados, que era apenas um jogo de futebol de botão.
Não
sei onde foi parar o campo. Os botões estão guardados numa caixa. André
e Pedro chegaram a brincar quando pequenos. O Márcio deu um campo e eu,
os times. O tempo passou. Veio o playstation e os botões ficaram presos
na memória. Será que não é hora de libertá-los?
Bah... que saudades daquele tempo...
ResponderExcluirEu não tinha campo. Criava linhas nas tábuas do chão da sala. Eu tinha Grêmio e Inter em acrílico, botões maiores para os zagueiros, médios para os meias e pequenos para Renato e mais um. Quantas horas jogando sozinho ou com algum amigo que topasse trocar a grama do quintal pela sala de casa.
Mais um jogo para relembramos dia desses, meu amigo!
Grande abraço.