quarta-feira, 20 de junho de 2018

Nem Sansão, nem Dalila

 

"..Cabelo pode ser cortado. Cabelo pode ser comprido. Cabelo pode ser trançado. Cabelo pode ser tingido.
Aparado ou escovado. Descolorido, descabelado. Cabelo pode ser bonito. Cruzado, seco ou molhado..."
Arnaldo Antunes jamais imaginou que cabelo fosse fetiche de jornalista esportivo. Neymar, Ronaldo, Cristiano Ronaldo, Fernando Redondo, Paulo César Lima e Afonsinho quase tiveram as 'madeixas' escalpeladas por moralistas e conservadores furiosos.

Mauro Pandolfi

"Vaidoso, egocêntrico, arrogante, diva. Esquece do jogo e olha o telão do estádio para ver como está o cabelo. Pinta as unhas do pé, cuida do corpo ao invés de treinar. Metrossexual!" Está crítica poderia ser para Neymar. Mas, o adjetivo 'metrossexual' - já em desuso - idêntifica o alvo. O exemplo de dedicação, de profissionalismo, de seriedade, Cristiano Ronaldo, já foi execrado assim. E, não faz muito tempo. A maior parte 'conceitual' das críticas acima sobre o craque português é do jornal alemão 'Blind', durante a Eurocopa de 2016. O restante está espalhado pela internet. O jornalismo esportivo quase nada difere do de fofocas. Os dois principais portais do país dividiram o noticiário da seleção brasileira em dois assuntos: a lesão de Neymar, que abandonou o treino, e o novo corte de cabelo do camisa dez. Às vezes, acho que o de fofoca é mais sério que o esportivo.
Não há meio termo com Neymar. Neste tempo de saudosos de uma ditadura é uma relação bem anos de chumbo: 'ame-o ou deixo-o'! Sou fã de Neymar. Considero o mais fantástico craque pós o tri de 70. Mas, não ignoro quando joga mal, quando está alheio ao jogo, quando é um mero cavador de faltas ou um firuleiro irritante. Não ligo, não me interesso, com a sua vida fora de campo. Acho divertido a sua ousadia 'pop', com os cabelos coloridos, descoloridos, cortados rentes ou  como uma espécie da 'calopsita'. As chuteiras coloridas, performáticas, bonitas, parecem - na bela imagem de Chiko Kuneski - terem asas.. Faz parte do show! Não são mais simples 'boleiros', são estrelas do 'maior espetáculo da terra'. Mais divertido é a fúria moralista contra o 'mau comportamento, a falta de profissionalismo, os exageros das festas, a extravagância financeira, a arrogância do jovem, a imaturidade, pedem até gerenciador de carreiras'. Lembram as 'velhas fofoqueiras', que ficavam nas janelas espiando os moradores, nas antigas novelas de tevê. Ignoram tudo numa grande vitória. Basta um mau resultado, o 'bafafá' está feito.
Neymar foi comum contra a Suiça. Banal feito um Taison. Não liderou a seleção, nada criou, nem chutou a gol. Sofreu e cavou faltas. Nada mais que isto. O futebol do Brasil se desintegrou, liquefez. Nada lembrou a solidez das eliminatórios. O jogo vibrante, insinuante, rápido, compacto ficou na lembrança. Tornou-se um time dependente de Neymar. Ele não é só centro. É a equipe! Tudo deve passar por Neymar. Carimba as jogadas, os passes, os movimentos. O Brasil  virou Portugal, que sonha com Cristiano Ronaldo; uma Argentina, que desespera-se com Messi. A 'esperança', o desejo, que tenha sido a tensão da estreia, a ansiedade de um treinador que parecia perplexo, o medo da lesão em Neymar, o fantasma do 7 a 1. Como diziam os velhos poetas:' quem viver, verá!'
Mo Salah inesxistiu. Neymar, também. A Copa é uma competição para os 'inteiros'. A intensidade do jogo pede um corpo mais que perfeito, na sua total amplitude. Não há sucesso para quem vem de lesão (seis jogadores - Fágner, Filipe Luís, Renato Augusto, Fred, Douglas Costa e Neymar vem de lesão ou estão lesionados. Seis num universo de 23, sendo três goleiros). Com cuidado extremo, evitando choques, disputas, chutes a gols, o hexa vai sendo adiado, ficando no imaginário. Aí, não adianta brincar de Sansão ou Dalila. Cabelo, cabeleira, careca, descabelado, cabeludo não inventa o título, nem dá volta olímpica e nem tira foto com a taça.

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