"Tudo é inverossímil enquanto não acontece pela primeira vez. Quem há de acreditar em coisas que ainda estão por vir?"
Charles
Bukowski é o poeta que entende a alma de um jogador. Não importa se é
de poquer ou de futebol. O primeiro título é indecifrável, mágico, quase
inverídico. O espetacular Hazard acredita que a Bélgica pode buscar o
impossível.
Mauro Pandolfi
Quem
vai ganhar a Copa? Rai Carlos, meu amigo vidente cego, não quis
confirmar. Foi enigmático na resposta. "Está entre quem luta pela
primeira vez vencer e quem tem a receita perfeita para perder!" Não
precisa ser especialista em charada para decifrar a frase de Rai.
Bélgica e Argentina?, perguntei. 'Você que está dizendo. Não sou eu!
Mas, pense, reflita, análise, que entenderá o que eu disse". Bebeu
calmamente o gim, deu um abraço e foi embora. Copa do Mundo é um
diamante raro no mundo do futebol. É o ápice do esporte. Jogar já seria o
suficiente. É o máximo para o Panamá e o Irã. Pouco importa para o
Brasil e Alemanha apenas participar. Só a vitória torna o evento
glorioso, inesquecível, para sempre.
1958.
O Brasil levou 20 anos para ser campeão. Lêonidas da Silva assombrou o
futebol em 1938. Mesmo jogando com a chuteira rasgada, o 'Diamante
Negro' foi o craque da Copa. O já fantástico Brasil ficou em terceiro. A
guerra impediu os mundiais de 42 e 46. Em 1950, as 'toruradas de Madri'
invadiram o Maracanã. Zizinho era um mestre na arte de jogar. Obdúlio
Varela conduziu um improvável Uruguai ao título. Pelé, o menino Édson,
cumpriu a promessa que fez a o pai Dondinho. O resto da história todos
sabem.
A
França levou décadas para entrar na galeria dos campeões. Nem em 1958, o
timaço de Just Fontaine, nem o quarteto de dez de Paltini, Giresse,
Genghini e Tigana conquistou o título em 1982 e 1986. Faltou pouco,
quase nada. A honra coube a França multirracial comandada por Zinedine
Zidane em 1998. A Espanha esperou um pouco mais que os franceses. Sempre
candidata. Para ganhar a Copa juntou a melhor geração de sua história. O
extraordinário Iniesta foi o condutor da vitória. Já a Holanda
desperdiçou seus vários talentos. Nem Cruiff, nem Van Basten, nem
Berkamp, nem Robben levaram o título para casa. E, agora, os holandeses
vão ver a Copa de casa. Como é cruel o futebol!
Chegou
a vez da Bélgica? A melhor geração em uma Copa. Uma espinha dorsal
magnífica, de estrelas de primeira grandeza. Começa em Courtois, passa
por Kompany, chega em Hazard, brilha em De Bruyne e se transforma em gol
com Lukaku. E, se a coisa não funciona, há sempre Fellaini, uma espécie
de Jael. 'Os deuses do futebol' adoram estes 'craques'. A Bélgica é uma
síntese da mistura racial que forma a atual Europa. Há os filhos de
imigrantes, de estrangeiros, os belgas, todos formando um esquadrão
espetacular, o time da 'moda', o favorito de quem ama o jogo, dos
especialistas, dos curiosos, como eu. Cuidado com a Bélgica, Tite!
César
Luís Menotti não era um técnico comum. É um homem culto, leitor de
Borges, fã de Piazolla, de posições políticas firmes. Porém, cometeu o
mesmo equívoco que qualquer Lazaroni ou Parreira cometem. Deixar um
garoto de fora. E, não um menino qualquer. Era Diego Armando Maradona.
No entanto, Menoti ganhou a Copa. 1978 é um dos mundiais mais complexos,
duvidosos, conturbados da história. Maradona carregou a Argentina em
1986 e o impediram de vencer em 1990 e 1994. Lionel Messi tenta mais uma
vez entrar no coração dos argentinos. Busca a consagração. Só a Copa
dará o verdadeiro valor que Messi tem. Tomara que os 'deuses do futebol'
abandonem a crueldade com os gênios.
Um
time desorganizado, afoito, perdido, com estrelas decadentes mais
famosas do que talentosas, confuso, brigado com a imprensa, um treinador
- Sampaoli - acusado de assédio, brigas internas, convocações
duvidosas, sem confiança dos torcedores, no grupo mais difícil da Copa.
Eis a receita do fracasso, da eliminação da primeira fase. O mesmo
cenário da Itália de 1982 e da França de 1998. Será que a história se
repete como farsa ou como glória? Ah, a Argentina tem Lionel Messi. Ele é
o dono do jogo. Será que o sorriso de Rai Carlos quando citou o 'time
que tem a receita para perder' é um sinal de vitória?
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