quinta-feira, 7 de junho de 2018

As minhas Copas

 

"...Percebam que a alma não tem cor. Ela é colorida. Ela é multicolor. Azul, amarelo, verde, verdinho, marrom..."
Assim como a 'alma' de Karnak, a bola na Copa do Mundo não se apaixona pela cor da camisa. Se apaixona pelo encantamento que a camisa produz.

Mauro Pandolfi

Estava ansioso com a Copa. No meu álbum faltavam a maioria das figurinhas. Era uma escolha que precisa fazer com o pouco dinheiro que tinha: Figurinhas ou Placar? Sempre preferi a Placar. Comprei todas naquele 1974. Sabia tudo sobre as seleções da Copa. Conhecia Lato, queria ver Cruyff e não entendia a ausência de um garoto chamado Zico. Nem os jogos com os amigos de time da rua, nem os deveres de aula, os estudos, nem cuidar do Márcio, nada me afastava da tevê na hora dos jogos.  A mãe já tinha entendido e não pedia para ir ao armazém. O futebol era mais importante. Descobri a beleza do jogo. A cor da camisa não dizia nada. Vi a laranja ser mais empolgante, mágica que o amarelo pálido do Brasil. Perdi o 'nacionalismo, o patriotismo' ali. A Holanda parecia a gente jogando. Todos ao mesmo tempo de uma vez só. O gol era a nossa obsessão, vira em três e termina em seis. Como pensar em defesa? Fomos Holanda contra o Brasil na casa do Bolacha.. Pulamos, vibramos e irritamos o seu Jeremias, pai do Bolacha. 'Piás de merda! Torcendo contra o país!', bradava raivoso.  Ninguém ligou. Durante algum tempo fomos holandeses. Repetimos os movimentos. Éramos Rep, Krol, Resembrinck, Neskens, Cruyff em nossos devaneios, nas brincadeiras, nas risadas. Não sei se os meus velhos amigos de Copacabana lembram disto? Nem sei onde estão? Às vezes, fico em dúvida se tudo não foi um sonho meu?
Estava ansioso com a Copa. 82 ainda marcava a alma. Seria a primeira Copa como jornalista. Não fui ao México. Fiquei na redação do Diário Catarinense. Escrevi muitas matérias. De economia ao futebol. Perdi uma aposta para o tempo. Achava que uma seleção africana seria campeão do mundo em três ou quatro copas. Enganei-me! Por algum motivos os africanos não deram o passo seguinte. Sempre ficam pelo caminho. O bom jogo da fase de grupo vai se diluindo até se desintegrar nas quartas. Fui o 'setorista' da Argentina. Acompanhei o dia-a-dia dos amigos de Maradona. Com o grande Pedro Hasse desenhei a página da finalíssima. Me senti um editor. México, 86, seria a primeira Copa de muitas. Enganei-me, mais uma vez! Foi a única. A vida é uma estrada, com atalhos, surpresas. Numa destas curvas, larguei a profissão. Fui fazer outras coisas e não deixei vestígios no jornalismo. Só um sentimento, às vezes, me pega de surpresa: o que teria acontecido se não tivesse entrado naquela curva?
Tantas copas passaram. A última que me marcou foi a de 98, na França. Não foram os jogos, nem Zidane, nem o incrível  'fracasso' do jornalismo - não existe jornalismo quando o assunto é a seleção brasileira. Há torcida! - que não sabe até hoje o que aconteceu com Ronaldo, nem um time da África. Foi assistir os jogos com o André no colo. Recém nascido, ele é de maio, dormia atravessado no meu peito. Sentado no sofá, bem largado, estirado, aconchegado, coração com coração, assistia, quase em silêncio, para não acordá-lo. Foi um dos momentos mais felizes da vida. Revivo em meus sonhos, nas lembranças, na saudade, nas fotos. O meu craque daquela copa foi o André!
O tempo traz as copas e a vida vai voando. A ligação que tenho com elas são os álbuns de figurinhas e nada mais. André e Pedro colecionam desde de 2002. Até madruguei para ver alguns jogos daquele Mundial. André e Pedro não gostam de futebol. André, ainda, rende-se a Copa. Assiste, torce. Pedro ignora. Prefere jogar em seu notebook. Num sábado destes entramos numa banca de revistas em busca de figurinhas. Enquanto compravam, aproveitei um banquinho e olhei as revistas expostas. Nenhuma de futebol. Olhei, mexi, vasculhei as de ...culinária! Molhos de massas, saladas, tortas, carnes, risotos. Perplexo, pensei olhando para dentro, para o vivido e o que ainda vem, refleti: o que a vida fez comigo ou o que eu fiz com a minha vida?

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