"...Percebam que a alma não tem cor. Ela é colorida. Ela é multicolor. Azul, amarelo, verde, verdinho, marrom..."
Assim
como a 'alma' de Karnak, a bola na Copa do Mundo não se apaixona pela
cor da camisa. Se apaixona pelo encantamento que a camisa produz.
Mauro Pandolfi
Estava ansioso com a Copa. No meu álbum faltavam a maioria das figurinhas. Era uma
escolha que precisa fazer com o pouco dinheiro que tinha: Figurinhas ou Placar? Sempre preferi a
Placar. Comprei todas naquele 1974. Sabia tudo sobre as seleções da
Copa. Conhecia Lato, queria ver Cruyff e não entendia a ausência de um
garoto chamado Zico. Nem os jogos com os amigos de time da rua, nem os
deveres de aula, os estudos, nem cuidar do Márcio, nada me afastava da
tevê na hora dos jogos. A mãe já tinha entendido e não pedia para ir ao armazém. O
futebol era mais importante. Descobri a beleza do jogo. A cor da camisa
não dizia nada. Vi a laranja ser mais empolgante, mágica que o amarelo
pálido do Brasil. Perdi o 'nacionalismo, o patriotismo' ali. A Holanda parecia a
gente jogando. Todos ao mesmo tempo de uma vez só. O gol era a nossa
obsessão, vira em três e termina em seis. Como pensar em defesa? Fomos Holanda
contra o Brasil na casa do Bolacha.. Pulamos, vibramos e irritamos o seu Jeremias, pai do
Bolacha. 'Piás de merda! Torcendo contra o país!', bradava raivoso.
Ninguém ligou. Durante algum tempo fomos holandeses. Repetimos os
movimentos. Éramos Rep, Krol, Resembrinck, Neskens, Cruyff em nossos
devaneios, nas brincadeiras, nas risadas. Não sei se os meus velhos
amigos de Copacabana lembram disto? Nem sei onde estão? Às vezes, fico
em dúvida se tudo não foi um sonho meu?
Estava
ansioso com a Copa. 82 ainda marcava a alma. Seria a primeira Copa como
jornalista. Não fui ao México. Fiquei na redação do Diário Catarinense.
Escrevi muitas matérias. De economia ao futebol. Perdi uma aposta para o
tempo. Achava que uma seleção africana seria campeão do mundo em três
ou quatro copas. Enganei-me! Por algum motivos os africanos não deram o
passo seguinte. Sempre ficam pelo caminho. O bom jogo da fase de grupo
vai se diluindo até se desintegrar nas quartas. Fui o 'setorista' da
Argentina. Acompanhei o dia-a-dia dos amigos de Maradona. Com o grande
Pedro Hasse desenhei a página da finalíssima. Me senti um editor.
México, 86, seria a primeira Copa de muitas. Enganei-me, mais uma vez!
Foi a única. A vida é uma estrada, com atalhos, surpresas. Numa destas
curvas, larguei a profissão. Fui fazer outras coisas e não deixei
vestígios no jornalismo. Só um sentimento, às vezes, me pega de
surpresa: o que teria acontecido se não tivesse entrado naquela curva?
Tantas
copas passaram. A última que me marcou foi a de 98, na França. Não
foram os jogos, nem Zidane, nem o incrível 'fracasso' do jornalismo -
não existe jornalismo quando o assunto é a seleção brasileira. Há
torcida! - que não sabe até hoje o que aconteceu com Ronaldo, nem um
time da
África. Foi assistir os jogos com o André no colo. Recém nascido, ele é
de maio, dormia atravessado no meu peito. Sentado no sofá, bem largado,
estirado, aconchegado, coração com coração, assistia, quase em silêncio,
para não acordá-lo. Foi um dos momentos mais felizes da vida. Revivo em
meus sonhos, nas lembranças, na saudade, nas fotos. O meu craque
daquela copa foi o André!
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