"América, você tem Simón Bolivar, San Martin e José Artigas. Eu tenho De León, Adílson e Geromel, um caudilho, super-herói e um mito que ergueram tua taça para o alto e honraram teus libertadores".
O belo texto de Marcelo Ferla explica a relação amistosa, afetuosa e amorosa entre a América e o Grêmio.
Mauro Pandolfi
Já passavam das duas da manhã. Na frente do boteco do Alemão, debaixo da chuva, me despedia do meu amigo Rai Carlos, o vidente cego. "Sempre te disse, meu caro Mauro, que a vida ensina mais do que qualquer livro de auto ajuda. No desespero de nosso fracassos te falava: o mais importante não é bater. É saber apanhar e continuar lutando, manter-se vivo, pois um dia, a vitória libertará", filosofa Rai. Termina com um grito que deve ter acordado a vizinhaça. "Sou Tri! Tricolor de alma e coração. Tenho as cores da paz, do céu e da minha pele. Sou Tri da América. Sou De León, Adílson , Geromel. Sou também, Flecha, Ancheta, Beto Fuscão, Gaspar, Tabajara. Eles me ensinaram a continuar, a sonhar, não desistir mesmo com todas as derrotas". Rai me abraça e vai embora assobiando o mantra fantástico de Lupicínio Rodrigues.
Molhado, estranhamente melancólico, vou para casa. A cerveja provoca reflexões espontâneas, estranhas, desnecessárias sobre o sentido da existência, a família, o futebol, tudo o que me move. Escuto na rádio Gaúcha a bela voz de Werner Schunermann lendo um texto de Marcelo Ferla - que gostaria de ter escrito. Mas, não tenho o talento do grande jornalista gremista - sobre o Grêmio e a América. Fala das cores, dos mitos, dos poetas, das glórias, do único amor que embala as nossas vidas de torcedor. Todos dormem em casa. A tevê reprisa o jogo. Paro e assito. Vou ver o futebol que a emoção, o medo, a suspeita, a fé me sonegaram. Prefiro pontos corridos ao mata-mata. Vamos sofrendo devagar, aos pouquinhos, a paixão é fatiada em 38 pedaços. Na Copa, é tudo de uma vez. Misturam-se as sensações. Não sei onde começa a esperança e termina a certeza. Ufa! Ainda bem que tudo terminou num tri. Tri-legal, tchê! É a primeira vez que uso esta gíria gaúcha, que só agora, vejo nexo.
O melhor Grêmio que vi na vida. Já escrevi isto algum tempo atrás. Não precisava de título. Vi os jogos. Sou meio um comentarista parnasiano daqueles que prefere o jogo bonito ao resultado. Que tenta ver futebol como um espetáculo, um desfile de carnaval. Afinal, falo tanto de compactação, de alas, de alegorias para entender um jogo. Mas, como escrevi ao meu afilhado, amigo de papos, o Luca, uma frase que aprendi com o Pedro Macedo, um velho jornalista esportivo: "Clássico e final você ganha. Se jogar bem, melhor. Senão, a vitória é suficiente". E, veio com um jogo soberbo, fantástico, avassalador, irresístível.
Vi o jogo com um olhar de tristeza, de despedida. Arthur é o melhor clone de Iniesta que conheço. É um maestro, um mestre do meio-campo. A bola é dele. Sempre dele. Desenha, rabisca o jogo em segundos. Dizem que tinha um olheiro do Barcelona no jogo. Então, já penso em Jean Pierre para o ano que vem. Foi um prazer te ver jogar Arthur. Luan, ou como Pedro Ernesto gritou na hora do gol: 'Luanel!' É a essência do futebol brasileiro que todos procuram. Ousado, criativo, abusado, mágico, genial. Fez um gol de menino, daqueles, que como eu um dia, sonhou em jogar futebol. Um gol de suinge, de esperteza, de rua, de craque. 2018 brilhará em outro canto. Será que Tite vai sonegar esta dupla? Insistirá em Diegos, Fred, Taison, Fernandinho? Se a resposta for sim, vou torcer para os negros maravilhosos da França.
Em segundos passam os mitos da minha história. Foguinho, Luís de Carvalho, Juarez, Gessy, Aírton, Ortunho, Everaldo, André, Baltazar, Éder, Iúra, Tadeu Ricci, Valdo, Carlos Miguel, Dinho, Jardel, Paulo Nunes. Tantos que honraram a linda camisa de três cores. Mas, é Renato Portaluppi a mais completa tradução, grande definição de Marcelo Ferla, do Grêmio. Genial e genioso. Sempre herói, nunca vilão. O nome que busquei para o meu filho. André vem antes do Renato, porém é só um detalhe. Ele é o meu mito. Brinco que faço parte da Saint Portaluppi Church. Renato é o grande treinador deste país. Ainda é tratado com desprezo pelos sábios da imprensa, que consideram apenas um motivador ou folclórico. Ignoram a sua sabedoria tática e olhar refinado do jogo. Ele é um Midas, um transformador de homens, um recuperador de almas, um salvador de renegados, um criador de magias, um arquiteto, um cineasta de imagens inesquecíveis. O seu Grêmio é encantador. Joga bem, bonito e moderno. Ele entendeu o 7 a 1. Ele, Tite e Carrile. Renato deveria ser o treinador eterno do Grêmio. Renato não é mero profissional. É o amador, o torcedor em campo. Isto gera a confiança. Ele é um dos nossos.
O Mundial é um passeio. Não ligo para o resultado. So não quero repetir o Inter e ser derrotado pelo Mazembe da vez. Jogar contra o Real Madri é um jogo dos meus sonhos. O maior seria contra o Barcelona. Ah, se eu tivesse uma máquina do tempo ou um portal. Ia buscar aquele Renato de 1983. Colocar frente a frente com Cristiano Ronaldo. Acho que o CR 7 é melhor, mais completo. Mas, gostaria de ver o duelo. Hora de dormir. Quem sabe eu sonhe com este encontro. Daí, te conto da próxima vez.
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