domingo, 26 de novembro de 2017

O erro divino


Chiko Kuneski

“Errar é humano, persistir no erro é burrice”.
Máxima popular que  nunca soube bem ser uma persistência burra de quem erra ou de quem quer dar uma nova chance ao errado. Uma dicotomia que me acompanha pela vida, nos meus erros e acertos. No futebol há níveis de erros. Uns perdoáveis. Uns compreensíveis. Uns justificáveis. Uns implacáveis. Acho que são até escalonáveis nessa sequência, como na máxima. Não se crucifica, usando uma figura bíblica, um erro. Perdoa-se.
Mesmo o tapa na cara do torcedor por uma repetição de erros é perdoada. A maioria tem alma cristã. Dá a face para o segundo tapa do erro crasso. A maioria.
Nunca me senti parte da maioria nem na fé nem no perdão. Acho que prefiro a segunda parte da assertiva popular : “é burrice”. O erro humano tem limite. Se o erro humano é justificado por uma fé divina passou dos limites.
“Se errei foi deus que me colocou aqui”. Disse o goleiro Muralha no intervalo do jogo entre Flamengo e Santos. Referia-se a um erro grosseiro ao tentar driblar um atacante na sua pequena área que terminou na perda da bola e passe para o gol de empate do adversário. Bola dominada. Erro. Mais um entre os colecionados pelo goleiro. Mas a culpa é divina. Erro de deus. Depois, deus errou novamente no chute que Muralha espalmou contra seu próprio gol, no único chute contra sua meta em todo o jogo. Seria uma punição divina?
Anteriormente o deus do Muralha já o tinha escalado na decisão do maior jogo da sua vida. A final da Copa do Brasil contra o Cruzeiro, no Mineirão. Que oportunidade divina melhor que essa. Muralha pulou cinco vezes para o mesmo canto que seu deus o mandou e tomou cinco gols na cobrança de pênalti. Falha de comunicação celestial?
Mas o deus de Muralha é piedoso com os seus erros humanos e tira o goleiro Diogo Alves com uma luxação no ombro no primeiro jogo contra o Júnior Barranquila, pela Sul-americana. Deus, aqui é maiúsculo por iniciar frase, dando a nova oportunidade para o erro humano.
Primeiro lance. Bola cruzada. Muralha não ouve deus. A bola passa sob suas luvas que ampliam as mãos das orações aos céus e o ateu colombiano faz o gol. Mas foi deus, segundo ele mesmo, que o colocou lá. Não foi um erro humano.
No futebol brasileiro deus é assim. Absolutamente piedoso. Assume até a incompetência e o erro humano como mera falha divina. No futebol os acertos são humanos ungidos: os erros divinos.

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