sábado, 25 de março de 2017

Um time para toda vida



Mauro Pandolfi

Amontoado na sala, a casa em reforma, espremido entre o sofá e a cama, encostado numa caixa, escuto a chuva fina embalar o Brasil contra o Uruguai com olho na tevê e ouvido no rádio. Vi Marcelo errar o passe de peito, o rápido Cavani provocar o pênalti. O gol uruguaio só despertou o talento. A Seleção de Tite foi tocando a bola, tabelando, atacando até encaixotar os charruas e transformar o domínio em uma goleada que calou, surpreendeu, encantou o mitológico Estádio Centenário. A 'ex pior geração de todos os tempos' se transmutou numa fantástica equipe de futebol. Tão fantástico time que tem tudo para a entrar na história como a mítica Seleção de 82. O esquadrão de Telê Santana foi o time de toda a nossa vida. Ou, será melhor? A Rússia, no ano que vem, vai nos contar mais esta epopeia.
Gostei de mexer nos 'vespeiros'. Cutucar o coro dos contentes, provocar a 'verdade absoluta', ser herege. Muitas vezes, a heresia não é uma contestação 'absoluta da verdade'. É só uma, pequena, perversidade dela. A Seleção de Telê é o melhor retrato que tenho do futebol. É arte! Do tempo que acreditava em futebol arte. A alma vibra ao lembrar daquele time. A escalação é poesia pura, redonda, cristalina feito um poema simbolista. Rebuscado, mágico. Inesquecível! Porém, ando suspirando pela Seleção de Tite. A bola trabalhada, intensa, criativa, lúcida. A camisa amarela resgatada, respeitada, temida. Tite está montando uma equipe que poderá ser superior a de Telê Santana. Noto o silêncio da leitura quebrado. Murmúrios, ruídos e, quem sabe, vaias. Opa! Não aceito ser chamado de Pacheco! Sou apenas um romântico redescobrindo o amor perdido, esquecido, desistido, da Seleção. Prá frente, Brasil!
Há mais igualdade em Telê e Tite do que supõe a nossa vã filosofia futebolística de botequim. Amam o jogo, a beleza do jogo, a vitória. Seus times são muito parecidos. Gostam da bola. Querem ficar com ela. Não tem pressa. Tocam, retocam, voltam, avançam. Há o jogo fluído pelas laterais, seus volantes vão e voltam. Jogam de área a área. O ataque é móvel, gosta do espaço, da movimentação. E, há os craques. Neymar é o mais fabuloso. Amplo, agudo, versátil, ilusionista. Ao seu lado, jogadores primorosos numa equipe  finamente organizada. "Há tempos, desde 82, não vibrava com uma Seleção como esta. Me arrepio em falar dela", me disse, na farmácia, o sábio do futebol, Joel Passos. O Brasil conseguindo escapar do 7 a 1. Mas...
E, por falar em 7 a 1, está semana mais um gol da Alemanha. Na surdina, como ocorre neste país, mais uma trapaça da cbf. Não falo em golpe, pois a expressão perdeu o nexo. A eternização dos canalhas na mudanças das regras. As federações passam a valer mais que os clubes e os  dirigentes dos clubes não reagem. São coniventes, omissos, covarde. São todos cartolas no significado mais pejorativo, torpe, cretino da palavra. Pena que há só um Tite. E, ele prefere transitar sua ética, a lucidez, a correção num campo. Sorte dele! Azar o nosso!

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