quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A goleada

Mauro Pandolfi

O apito é um alívio. Os braços estendidos do árbitro é o sinal do fim. O massacre terminou. Os perdedores, de cabeça baixa, olham o céu, procuram um sentido na goleada. O resultado é mais que um desastre. É aviltante, desesperador. A humilhação marcada na história, na carreira. Perplexos, alguns erram o caminho da saída. Escondem os rostos com as mãos, as camisas. Confundem-se. Ignoram os outros. Fogem dos jornalistas. Os gritos de revolta dos torcedores serão eternos. A goleada é um tsunami. Terra arrasada. Moralmente devastadora. Os jogadores são um pouco mais que coisa alguma. Para os torcedores, são usurpadores da paixão. Traidores das cores. São zumbis que perambularam até a vingança. Nem o título absolve a goleada.
O apito é de carnaval. Os braços estendidos do árbitro lembra um mestre de bateria. A festa nunca terá fim. Os vencedores, de olhar altivo, miram o céu, procuram as estrelas que se tornaram. O resultado é um delírio. É alegria, entusiasmo. A vitória celebrada marcará a carreira. Demoram a sair do campo. Tudo é êxtase. Divino e maravilhoso. Abraçam-se todos. Procuram os holofotes. Cantam os cantos da torcida. Confundem-se com eles. Serão mitos de uma eternidade perene. A goleada é um baile de gala. Nação em festa. A moral elevada. Os craques são quase tudo. Para os torcedores, heróis de uma epopeia. Deuses das cores.  Guerreiros que forjaram a vingança. A goleada é maior que o título que nunca vem.
Nem o jogo épico, da vitória arrancada no último instante, é maior que a goleada no rival. Não aquela diferença banal de três ou quatro gols. Mas, a eterna, que dura um século a vingança. Nada é maior. A goleada redime. No teatro de grama e paixão é a grande arte. O encontro do impossível e do inacreditável. Da dor sublime com a euforia carnavalesca. Da glória com a desgraça. Do fantástico com o fracasso retumbante. De Shakespeare com Nelson Rodrigues. O futebol é o maior espetáculo da Terra. Não é um jogo. É a vida bem vivida por lunáticos, poetas, visionários e os amantes do nada. Afinal, o futebol é pouco mais que nada.

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