quarta-feira, 20 de maio de 2015

A dor e a delícia de ser gremista

Mauro Pandolfi


Chovia muito na manhã de segunda. Coloquei as minhas galochas e fui caminhar nas ruas estreitas do bairro Nossa Senhora do Rosário.  Andava meio distraído e parei na frente da casa do meu amigo Rai Carlos, o vidente cego. Ele estava na varanda alimentando o Pablito, seu velho papagaio. "Olha só quem não vejo! Meu querido Mauro! Está no seu olhar a dor e a tristeza com o Grêmio. Poxa, Mauro! Que coisa o Grêmio, hein?"  Entrei, dei um abraço e expliquei que saí sem rumo, apenas pensando na vida, não no Grêmio.  Rai riu e afirmou: "Eu trouxe você. Sabia que tu precisava de uma conversa, de um papo amigo, de um ombro. Alguém que explicasse a dor e a delícia de ser gremista. Vamos tomar um café, charlar, como se fala no sul, e expurgar a tristeza". A gentileza é a melhor qualidade do Rai.

Contei da festa de sábado do meu afilhado Guilherme. O motivo era o Figueira. Mas, boa parte dos convidados vestiam camisetas de clubes.  A maioria de colorados. Fui o alvo predileto. Ironizado com educação. A civilidade dos vermelhos foi comovente. Até foram solidários com a minha 'dor'. Gente boa, aqueles colorados! Acho que há um certo toque gremista neles. Quem sabe, um pai, um tio, um filho ou uma ex-namorada que deixou em frangalhos o coração. No entanto, as vitórias tem algo de soberba. Falavam em como parar o tridente mágico do Barcelona. A Libertadores já está no papo. Será? Eu sou um gremista de fé, muita fé, Santa Fé!

"Como eram as camisetas do Inter? Novas? Da Nike?", perguntou Rai. Confirmei que sim. A sonora gargalhada acordou Pablito. "Não havia nenhuma de 75 ou 76, Mauro?" Disse que não. Nem as retrô, falei. "Dos anos 80 e 90 nem sinal, então?". Nenhuma, garanti. "Ah, torcedores de vitórias e títulos. Surgem aos montes na época de ouro. São falantes, expressivos. Sempre contentes, com toda a razão. Mas, basta perder que somem, recolhem-se, desaparecem. Guardam ou doam as camisetas. As vitórias são para os fracos. Só os fracos vibram com a glória!" O rosto ficou triscado, olhar tenso, a calma desapareceu. Pediu um tempo e trancou-se no quarto.

Os minutos voaram. Rai voltou sorridente. "Fui recarregar as baterias. Sou movido a fé. Fui rezar, Mauro. Fique tranquilo. Está tudo bem comigo", explicou. "Eu gosto da derrota. A minha vida é uma derrota. Isto me faz um ganhador. Todas as dificuldades me moldaram, me transformaram no que sou. O futebol é a mesma coisa. A vitória é passageira. São raras nos clubes. A maior parte são de derrotas, de falta de títulos, de ídolos. Um dia vai passar, Mauro!" Achei engraçado o apelo de autoajuda de Rai. Ele não é disto. "Não é ajuda, meu caro. É vida. Aprenda e ensine seus filhos sobre isto", disse. É quase meio-dia. Hora de ir embora. Rai me dá um abraço, beija o meu rosto e se despede.

Não resisto e pergunto: o que gerou o nosso drama? "Escutei que o estádio Olímpico está agonizando. Destruído e abandonado. É isto. Não saímos de lá e nem fomos para a Arena. O Grêmio é um zumbi. Flutua entre o antigo, um coliseu e o novo, moderno, uma arena. Somos um resquício de um império gremista e um novato imberbe na nova ordem mundial do futebol. Precisamos escolher uma coisa, de preferência o novo, e destruir a outra, que seja a antiga.


 Se continuar assim como está, seremos zumbis, um 'walking dead' eterno. A escolha é nossa". Estava saindo de sua casa. Ele me chama. "Mauro! Quem tem um hino assinado por Lupicínio Rodrigues, um ídolo como Renato e as cores branca, azul e negra na sua camisa, não precisa de título. Somos o que somos, porque somos o Grêmio. Isto basta!" A risada ecoou na rua. É uma verdade e, também, uma bela desculpa. 'Até a pé nós iremos..." Vou embora assobiando nosso inigualável hino. Nada pode ser maior.

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