"Ademir impõe com seu jogo o ritmo do chumbo (e o peso), da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo".
do homem dentro do pesadelo".
João
Cabral de Melo Neto decifrou em poucas linhas a elegância discreta de
Ademir da Guia. O meia que dominava o jogo envolvendo o adversário com o
seu ritmo morno, plácido, fatal.
Mauro Pandolfi
Acordei
pensando em Ademir da Guia. Sonhei com as suas passadas largas,
silenciosas, lerdas. Procurei no you tube alguns jogos, cenas dispersas,
imagens de seu olhar vago, distante. Foi a derrota do Grêmio que me
levou a pensar em Ademir. Foi Luan a causa de procurar Ademir da Guia.
Luan foi lento, disperso, ausente. O close em seu rosto revelou o olhar
angustiado, perplexo, extraviado. Um olhar que vi numa capa da Placar lá
por 1973. Dudu e Ademir. Olhar confiante de Dudu. Desconfiado, o de
Ademir. Desnorteado, vago, caído, exatamente como o de Luan, na derrota
do Universidad Católica. Não é uma comparação de jogo. É de estilo, de
passadas, de olhares, de quem parece estar ausente, fora, sumido. Os
gremistas culpam Luan pelo fracasso na Libertadores. Ademir da Guia não é
reverenciado como deveria. Não era somente um craque. Era Divino!!!
Futebol
e poesia são duas paixões. Joguei pouco e brinco menos ainda com as
palavras. As escalações são versos, rimados ou não, declamados como
poemas livres, soltos, anárquicos. Leão; Eurico, Luís Pereira, Alfredo e
Zeca; Dudu e Ademir; Edu. Leivinha, César e Nei. Poema épico, complexo,
amplo, literartura pura. Poucos versos tem a dimensão de Dudu e Ademir.
Duas palavras, dois nomes, dois símbolos, uma história moderna.
Complementares de tão diferentes que eram. A segurança, a valentia, a
liderança de Dudu. A imponência, a sutileza, a elegância, o estilo de
Ademir. Nunca mais o Palmeiras repetiu versos como estes.
Ademir
da Guia era o solista e o maestro do jogo. Cadenciava em seu ritmo cada
movimento da partida. A saída de bola era determinada pela postura do
adversário. Sabia a exata noção de tempo e espaço. Pouca gente gente
percebeu que ele era um marcador implacável. Não combatia, apenas
cercava, dificultando a ação do adversário. Um toque sutil e a bola
escolhia seus pés divinos. Acelerava ou retardava o lance dependo da
movimentação de seus parceiros. Ademir da Guia era um ritmista. Alongava
o passe ou deixava ele curto. Ademir não era pictórico. Era inteligente
e refinado. A lentidão era só uma bobagem de comentarista que nem o
óbvio enxerga.
Nesta
semana, Ademir da Guia fez 77 anos. Brinco com o meu passado Porém, não
sou nostáligico em nada. Ah, quem sabe na música, mas, às vezes, sinto
saudade de Ademir e de João Cabral de Melo Neto. E, declamo, sozinho no
quarto, os versos de Cabral sobre Ademir: "Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro, impondo-lhe o que ele deseja, mandando nele, apodrecendo-o.
Ritmo morno, de andar na areia, de água doente de alagados, entorpecendo e então atando o mais irrequieto adversário".
no adversário, grosso, de dentro, impondo-lhe o que ele deseja, mandando nele, apodrecendo-o.
Ritmo morno, de andar na areia, de água doente de alagados, entorpecendo e então atando o mais irrequieto adversário".
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