"O gol é orgasmo do futebol. Como o orgasmo, o gol é cada vez menos frequente na vida moderna".
Eduardo
Galeano ficaria desesperado, perdido na utopia do jogo bonito, com a
retranca que assola o país que deixou de brincar de futebol.
Mauro Pandolfi
Se
o gol é o orgasmo de quem ama o jogo, o título de campeão é o êxtase
infinito de um devoto de cores. Apenas curti o título do Grêmio. Sofri o
jogo todo na imensa solidão que me imponho em dia de futebol. Não
cheguei a chorar. Nem rezei para os deuses da bola. Suspirei, apenas, na
cobrança derradeira de André. A vibração foi tímida, tão silenciosa que
despertou a curiosidade da Elaine. 'Pensei que tinha acontecido alguma
coisa?', me disse. Faltou futebol, ousadia, coragem de brincar. Parecia
o Grêmio de outros tempos. Não deste. Teve bravura, luta, empenho.
Esqueceu a poesia do jogo, o brilho, o encantamento. Foi comum. Somente
um time campeão. O título aliviou a angústia do desejo perdido, do jogo
bem jogado. O que esperava do Grenal vi em Manchester City e Tottenham.
Frenético e onírico. Vi o abismo do futebol que nos separa desde 1994, o
ano da copa de Parreira e da morte de Dener.
Sterling
chuta colocado. Um a zero.Son vira o jogo. Dois a um. Bernanrdo Silva
empata. Dois a dois. O futebol em onze minutos. Estado puro. Legítimo,
empolgante. Frenético e onírico. Jogo perfeito. Poesia e emoção. Uma
partida digna de grandes times, de jogadores conceituados, de hábeis
artesões. Quem sabe os melhores onze minutos da história da bola. No
final do primeiro tempo, Sterling vira o jogo. Três a dois. A vida
pulsava para o time de Guardiola. Logo aos 14 minutos, Aguero, o
artilheiro dos jogos fáceis, fulminou o goleiro. Golaço! Quatro a dois. O
futebol agradecia os deuses. Num cochilo deles, com a juda do Var, o
Tottenham marca o terceiro. Llorente foi o autor. Aí, apareceu mais o
lado do futebol que embala a vida, o torcedor, o devoto. A emoção, o
desejo, a bravura, o engano, a frustação. Sterling fez o quinto. A
multidão em festa. O futebol em festa. Mas, teve o Var. Viu uma parte do
corpo de Aguero à frente dos zagueiros. Um capricho desmedido, uma
precisão indevida - porém, correta - anula o gol. Tottenham se
classifica. Extasiado, meio chateado com a eliminação de Guardiola,
vibro com a partida. Isto é o futebol! O Maurinho se apaixonou por isto!
180
minutos. Nenhum gol. Raras chances de gols. Lutado e brigado. 'Assim é o
Grenal', dizem os especialistas. 'Nenhuma final é um grande jogo',
mentem os comentaristas. Assisti tudo pela devoção. Esperei um lance
isolado. Veio com Éverton. A velocidade, o drible, o chute em curva.
Desprezada, a bola desvia da trave e vai embora pela linha de fundo.
Minutos depois, Éverton driblou de novo, correu outra vez e acertou a
trave. Capricho dos deuses. Ah, teve o Var. Pênalti em Cortez.
Interpretação do árbitro, afirmou um comentarista de arbitragem. Nove
minutos, duas expulsões, confusão e André desperdiçou. Tanto barulho por
nada. Nos pênaltis surgiu um novo Marcelo Grohe. Paulo Vitor defendeu
três e o Grêmio deu a volta dos campeões. O título amenizou a falta da
poesia da partida. Minha vibração foi silenciosa e discreta. Sorri e
abracei os meninos e a Elaine. Faltou o que mais gosto numa partida: o
futebol!
Entendi o abismo. É profundo. Na sexta da paixão
mergulhei nos meus pensamentos a procura do início do abismo. Vi uma
bela matéria sobre os 25 anos da morte de Dener. O mais Garrincha dos
substitutos de Pelé. O moleque com as 'asas na chuteira' - a bela
expressão poética de Chiko Kuneski -, do drible mais bonito que o gol -
afinal, 'o gol é só um detalhe', disse Carlos Alberto Parreira, esta
espécie de Olavo de Carvalho da bola - da velocidade em linha reta, do
sorriso, da genialidade. Morte bruta, sem nexo, 'foi falta grave no
neguinho!', escreveu Tutty Vasques, na mais perfeita tradução da perda
de Dener. Parreira ignorou Dener e Edmundo. Levou Ronaldo Fenômeno por
pressão. Nunca deixou jogar. O futebol moleque morreu com Dener. Parecia
ter renascido com Neymar. Mas, tudo indica, foi um engano. Neymar foi
enquadrou ou se enquadrou. Que pena!
O Brasil resgatou a
velha retranca, ferrolho sólido, trocou a técnica de Raí pela burocracia
giratória de Zinho, buscou a bola longa, os cruzamentos e encontrou a
genialidade de Romário. O abismo nasceu com o título. Parreira venceu a
modernidade, os novos tempos do jogo, estabeleceu um parâmetro que Luís
Felipe Scolari seguiu à risca. Foi mais fácil. Havia os Ronaldos e
Rivaldo. Em sequência vem todos. Zagalo, Dunga, Mano, Dunga - outra vez
-, Tite. O jogo defensivo, burocrático, de bolas longas, rifadas, de
cruzamentos, de disputa intensa espalhou-se pelo Brasil. O Grêmio de
Renato escapou por um tempo. Buscou o jogo de outros tempos, dos tempos
atuais jogadas nas grandes equipes, adotou a bola, brincou com ela,
ganhou títulos e desapareceu, não por completo. Há momentos que a idéia
está viva, quando a bola está nos pés de Jean Pyerre e Matheus Henrique e
flutua até encontrar Éverton. É este suspiro que mantém a minha paixão.
Perfeito!
ResponderExcluirGrato.
ResponderExcluir