sábado, 13 de abril de 2019

Anos 70!

 
"Há quem diga que eu não sei de nada. Que eu não sou de nada e não peço desculpas.Que eu não tenho culpa, mas que eu dei bobeira. E que Durango Kid quase me pegou".
A música de Sérgio Sampaio embalou o primeiro baile noturno, o desejo de rebeldia e brincou com o meu herói preferido daquele tempo.

Mauro Pandolfi

O passado não passa. Me persegue. Achei que era só com as memórias. As lembranças que embalam meus dias de 'exílio'. Mas, ganhei, de amigo, um almanaque dos Anos 70. Está toda a década lá. Tem os meus sonhos, os meus desejos, as minhas utopias, as esperanças e todo o fracasso que perpassou na minha vida. Da ditadura ao desbunde. De Luís Carlos Maciel, meu guru de adolescência, até Rose do Primo, minha paixão de garoto. Tem o rock que descobri com Big Boy, nas noites silenciosas na sala de casa, a Odair José, que escutava escondido, num pequeno radinho azul sintonizado na Clube. Tudo, mesmo, está lá! Da calça boca de sino a gargantilha feita de cartilagem de peixe. Vi Pelé e encontrei André Catimba. Intenso período da vida. Do sonho da rebeldia até a procura de um trabalho. Coisas que o menino amava no início e que o adulto descobriu no final.  Como eram doces a bala Soft e o sexo. Anos 70! Lisérgico, anárquico, romântico, autoritário. Ainda bem que revivo apenas na leitura do livro, nas memórias, nas conversas...
O futebol é o fio condutor da minha vida. De menino ao velho. A bola é o meu balé, a minha dança, a música, a poesia que conduz, ilude, embriaga a minha existência. No livro descobri onde começou a fusão de música, futebol e poesia. Jorge Ben e Maria Alcina. Por instantes, por meros instantes, fui Flamengo ao gritar gol de Fio Maraviha, junto aquela multidão que parecia a entorpecida do Maracanã. A voz e a dança de Maria Alcina, a letra de Jorge Ben ainda sacodem os meus ossos já endurecidos pelo tempo. Nunca mais separei futebol de poesia.
...e que poesia teve os anos 70! Dudu e Ademir é lenda. Fino biscoito! Andrade, Adílio e Zico rimam com precisão, vida, talento, arte. Falcão e Paulo César me provocaram desilusões, choros e revolta. Tarciso, André e Éder me libertaram. Vibrei, de emoção, ao ver Garrincha, ao vivo, transformar o uruguaio Bunuel no último João de sua vida. Entendi, finalmente, a alegria de um drible. Fascínio era Pelé. O poema completo, épico, imenso, o 'deus negro' que transformou a bola no Santo Graal. Fascinante, mágica, deslumbrante. O objeto de desejo, de sonhos, que ressurge frenético com Messi e Cristiano Ronaldo.
Nomes e cores. Tanto bagunçaram a alma, despertaram o coração, bailaram a mente. Chico, Caetano, Paulo Francis, Elis Regina, Lima Duarte, Pasquim, Jaguar, Brizola e um certo Lula. Nenhum nome nome foi tão envolvente naquele adolescente curioso como Glauber Rocha. Louco, desbocado, irreverente, culto, provocador. Esperava ansioso o 'Abertura' para vê-lo. Seus filmes vi apenas nos oitenta. 'Terra em Transe" é o mais mítico. Achei, que no ano passado, com a prisão de Lula tinha entendido o filme. O transe catatônico, a loucura de Lula, o desespero de devotos, a satisfação do público sedento de vingança, a prisão de um mito me explicaram o filme. Foi um engano. Era apenas um fragmento. Lula parece mais um 'Santo Guerreiro', um messiânico, do que o vilão populista. O mais amplo fragmento do delíro de Glauber vem com Jair Bollssonaro. A estupidez, o fundamentalismo religioso, o reacionarismo, os preconceitos são o grande retrato de Porfírio Diaz. O capitão reformado também pertence ao filme 'Idade da Terra", onde loucura, politica e demência formam o caráter do personagem central. Bollssonaro é o pior que os anos 70 nos deixou.
Apenas 'National Kid' me tirava do futebol. Adorava a música, o enredo, a história, o professor Massao Hata, os vilões - os incas venuzianos pareciam tão cruéis - e a sala cheia de amigos. O jogo era só depois.O Mário me ensinou que cinema era mais do que Trinity, Nídia de Paula e Winnetou. Me apresentou Fellini. Nunca esqueci as cenas iniciais de 'Amarcord'. Assisti com ele 'O Poderoso Chefão', 'Operação França', 'Klute', 'Bonnie and Clyde' - onde fiquei fissurado em Faye Dunnaway, que revi a suavidade de seu rosto ao conhecer Elaine. Mas, isto é outra história -, tantos outros. Mário é minha referência em monte de coisas. Anos 70 é uma delas. Ler o livro, folhar a esmo, esquecer a cronologia, buscar as fiuguras, escutar as música presentes no livro, ver os filmes, é como voltar no tempo. Sem esquecer que o tempo passou, já foi, mesmo tentando voltar nas memórias. Que fique apenas nas memórias.No entanto, como diz o Mário, 'o passado é sempre atual!'

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