"Há quem diga que eu não sei de nada. Que eu não sou de nada e não peço desculpas.Que eu não tenho culpa, mas que eu dei bobeira. E que Durango Kid quase me pegou".
A
música de Sérgio Sampaio embalou o primeiro baile noturno, o desejo de
rebeldia e brincou com o meu herói preferido daquele tempo.
Mauro Pandolfi
O
passado não passa. Me persegue. Achei que era só com as memórias. As
lembranças que embalam meus dias de 'exílio'. Mas, ganhei, de amigo, um
almanaque dos Anos 70. Está toda a década lá. Tem os meus sonhos, os
meus desejos, as minhas utopias, as esperanças e todo o fracasso que
perpassou na minha vida. Da ditadura ao desbunde.
De Luís Carlos Maciel, meu guru de adolescência, até Rose do Primo,
minha paixão de garoto. Tem o
rock que descobri com Big Boy, nas noites silenciosas na sala de casa, a
Odair José, que escutava escondido, num pequeno radinho azul
sintonizado na Clube.
Tudo, mesmo, está lá! Da calça boca de sino a gargantilha feita de
cartilagem de
peixe. Vi Pelé e encontrei André Catimba. Intenso período da vida. Do
sonho da rebeldia até a procura de um trabalho. Coisas que o menino
amava no
início e que o adulto descobriu no final. Como eram doces a bala Soft e
o sexo. Anos 70! Lisérgico, anárquico, romântico, autoritário. Ainda
bem que revivo apenas na leitura do livro, nas memórias, nas
conversas...
O futebol é o fio condutor da minha
vida. De menino ao velho. A bola é o meu balé, a minha dança, a música, a
poesia que conduz, ilude, embriaga a minha existência. No livro
descobri onde começou a fusão de música, futebol e poesia. Jorge Ben e
Maria Alcina. Por instantes, por meros instantes, fui Flamengo ao gritar
gol de Fio Maraviha, junto aquela multidão que parecia a entorpecida do
Maracanã. A voz e a dança de Maria Alcina, a letra de Jorge Ben ainda
sacodem os meus ossos já endurecidos pelo tempo. Nunca mais separei
futebol de poesia.
...e que poesia teve os anos
70! Dudu e Ademir é lenda. Fino biscoito! Andrade, Adílio e Zico rimam
com precisão, vida, talento, arte. Falcão e Paulo César me provocaram
desilusões, choros e revolta. Tarciso, André e Éder me libertaram.
Vibrei, de emoção, ao ver Garrincha, ao vivo, transformar o uruguaio
Bunuel no último João de sua vida. Entendi, finalmente, a alegria de um
drible. Fascínio era Pelé. O poema completo, épico, imenso, o 'deus
negro' que transformou a bola no Santo Graal. Fascinante, mágica,
deslumbrante. O objeto de desejo, de sonhos, que ressurge frenético com
Messi e Cristiano Ronaldo.
Nomes e cores. Tanto
bagunçaram a alma, despertaram o coração, bailaram a mente. Chico,
Caetano, Paulo Francis, Elis Regina, Lima Duarte, Pasquim, Jaguar,
Brizola e um certo Lula. Nenhum nome nome foi tão envolvente naquele
adolescente curioso como Glauber Rocha. Louco, desbocado, irreverente,
culto, provocador. Esperava ansioso o 'Abertura' para vê-lo. Seus filmes
vi apenas nos oitenta. 'Terra em Transe" é o mais mítico. Achei, que no
ano passado, com a prisão de Lula tinha entendido o filme. O transe
catatônico, a loucura de Lula, o desespero de devotos, a satisfação do
público sedento de vingança, a prisão de um mito me explicaram o filme.
Foi um engano. Era apenas um fragmento. Lula parece mais um 'Santo
Guerreiro', um messiânico, do que o vilão populista. O mais amplo
fragmento do delíro de Glauber vem com Jair Bollssonaro. A estupidez, o
fundamentalismo religioso, o reacionarismo, os preconceitos são o grande
retrato de Porfírio Diaz. O capitão reformado também pertence ao filme
'Idade da Terra", onde loucura, politica e demência formam o caráter do
personagem central. Bollssonaro é o pior que os anos 70 nos deixou.
Apenas
'National Kid' me tirava do futebol. Adorava a música, o enredo, a
história, o professor Massao Hata, os vilões - os incas venuzianos
pareciam tão cruéis - e a sala cheia de amigos. O jogo era só depois.O
Mário me ensinou que cinema era mais do que Trinity, Nídia de Paula e
Winnetou. Me apresentou Fellini. Nunca esqueci as cenas iniciais de
'Amarcord'. Assisti com ele 'O Poderoso Chefão', 'Operação França',
'Klute', 'Bonnie and Clyde' - onde fiquei fissurado em Faye Dunnaway,
que revi a suavidade de seu rosto ao conhecer Elaine. Mas, isto é outra
história -, tantos outros. Mário é minha referência em monte de coisas.
Anos 70 é uma delas. Ler o livro, folhar a esmo, esquecer a cronologia,
buscar as fiuguras, escutar as música presentes no livro, ver os filmes,
é como voltar no tempo. Sem esquecer que o tempo passou, já foi, mesmo
tentando voltar nas memórias. Que fique apenas nas memórias.No entanto,
como diz o Mário, 'o passado é sempre atual!'
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