quarta-feira, 11 de julho de 2018

O anjo caído

 

'O poeta é um fingidor. Finge tão completamente. Que chega a fingir que é dor. A dor que deveras sente'..
Desconfio que Neymar é um leitor voraz de Fernando Pessoa.

Mauro Pandolfi

Ainda Neymar. Gosto de gente que desafina o coro dos contentes. Respeito os perdedores que provocam irritação dos bem pensantes, que despertam amor e ódio, que são 'culpados' pelas derrotas, pelos fracassos. Gente que nunca chegará onde pretende, que serão pouco mais do que o comum. Neymar é um deles. Ele é o mais instigante personagem do futebol mundial. É a encarnação do 'mal', do pérfido, do boçal. O craque que rompeu com a ética do jogo limpo, com simulações de faltas, de dores, com reclamações sem nexo, com rebeldia sem causa. Um ator de segunda linha. A chacota nas redes sociais. Crianças, adultos, comediantes, aspirantes a comediantes riram, brincaram com as 'roladas' pelo chão após as faltas. Neymar virou piada! Não ligo para isto. Não tenho nenhum sentimento sobre isto. Não me preocupo com sua carreira, com o aspecto psicológico, com sua riqueza, com seus gastos, suas atitudes. Ele tem um bom aparato de profissionais que pensam a sua vida e carreira.  Preocupo-me é com meus filhos. Tenho que estar atento as suas vidas, as escolhas e os caminhos. As decisões serão sempre deles. Com Neymar quero apenas o futebol.
Continuo achando genial e genioso. Não há misericórdia com o seu fracasso na Copa. Fracasso? Não chega a tanto. Na disputa com Messi e Cristiano Ronaldo, Neymar foi melhor. Jogou mais, chegou mais longe e perdeu como eles. Cristiano Ronaldo é o bom moço deste tempo (já foi 'Neymar' em outros tempos) e Messi é o 'infeliz' que escolheu ser argentino ao invés de espanhol. Ambos estão perdoados. Afinal, seus times eram ruins. Eram 'exércitos' de um homem só. Perdão é uma palavra que não cabe em Neymar. A derrota pode provocar transformações ou destruir completamente um homem. Neymar vai escolher o seu caminho.
Neymar é o 'anjo caído' do universo religioso que o Brasil se enredou. O craque que expulsou o país do paraíso da vitória. O profeta que não levou à terra prometida. O heroi sem caráter, o Macunaíma, o Sassá Mutema mentiroso, o vilão preferido dos jornalistas e agregados, dos fanáticos das redes sociais, dos fundamentalistas que aparecem de quatro em quatro anos.  Faltou pouco, quase nada, para virar um Barbosa. Ainda bem que vivemos um outro período, mais civilizatório, mais humano, que torna vergonhoso uma campanha como a que Barbosa sofreu. Neymar foi só mais um que perdeu num time compartimentado, previsível, com uma frágil estratégia, sem inteligência no jogo, organização trivial, um reflexo de espelho do futebol jogado por aqui. Uma seleção que repete eternamente o mesmo futebol desde 1974, com exceção de 1982, com derrotas e vitórias (1994 e 2002), sem a 'magia, a fantasia' de sua lenda, sem renovação, obsoleto e a sempre presente relação de compadrio tão ao gosto do Brasil.
Mbappé atropelou todos os candidatos a melhor do mundo. Hábil, forte, demolidor, o atacante francês de 19 anos é o novo símbolo do futebol. Neymar terá que mudar para alcançar Mbappé. Falo do futebol, da postura, do entendimento do jogo. Tem que ser protagonista, deixar de ser coadjuvante. Desde o Santos, ele é o centro do time. Porém, o pensar não passa por ele. Foi Ganso, foi Iniesta, Luan na seleção olímpica e não rendeu no PSG o que esperava, nem na seleção foi o diferencial. Falta poder mental a Neymar. A convicção de que é grande. A certeza que Romário e Ronaldo tinham que eram geniais. O olhar de vencedor, de fúria, de querer ser gigante, imenso. Também, mudar o jeito de jogar. Fugir do canto, de esperar a bola. Migrar, flutuar, ocupar espaços, se movimentar, começar e terminar a jogada. Se fizer isto, será um duro adversário de Mbappé. Caso contrário, será um outro Robinho. Com mais grife, é verdade!

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