terça-feira, 24 de julho de 2018

Damas e xadrez



"O mundo inteiro jogava damas. Éramos os melhores jogadores de damas. Aí, perceberam que não nos alcançariam nas damas e só superariam nossa qualidade jogando xadrez. Já estamos jogando damas com peça de xadrez, mas caminhamos para jogar xadrez. Se jogarmos xadrez com nossa qualidade individual, nunca mais vão nos pegar de novo. Nunca mais".
Bela metáfora de Roger Machado que tem se revelado um bom treinador de...damas.

Mauro Pandolfi

A partida estava perto do fim. Olhar enviesado na tevê, tricô nas mãos, Elaine suspira: 'Que saudades da Copa! Você não tem, Mauro?' O Grêmio perdendo, jogando mal,  nem irritação eu tinha com a mediocridade  gremista, concordei e devolvi a pergunta: 'Qual o motivo da saudade? O péssimo jogo ou a derrota?' Sem desviar do tricô, ela me encara, ri, responde: 'a inteligência! Não há estratégia, lucidez, uma jogada inteligente. É um jogo burro!' Desconcertante! Gosto de observar, conversar com quem não tem o hábito do futebol, de quem foge dos lugares comuns, dos chavões, das certezas. Duas rodadas pós Copa e entendo o 'fracasso' - já estou discutindo se era possível ir mais longe ou fomos no nosso limite? - do Brasil. Como disse Roger Machado, estamos jogando damas. Tite, Renato Portaluppi, Roger, todos os outros, são treinadores de damas num universo de xadrez. Cavalo, torre, bispo, rainha, rei, nada se difere. Nos times brasileiros, só há lugar para o peão. Afinal, é o que tem o posicionamento e o movimento mais parecido com as damas.
Xadrez é um jogo mais difícil que damas. As regras são mais complexas e as jogadas infinitas. Damas tem poucos lances,  muito simples de entender, é um jogo mais popular que o xadrez. Nas praças é mais comum jogarem damas. Nas contradições da vida, damas é um jogo mais difícil de vencer. Todo jogo é aberto, exposto, só há um tipo de peças, mesmos movimentos. Não há grandes estratégias. O lance seguinte vem. Mas, o depois, não. O xadrez tem uma variedade de peças. Requer estudo, profundo conhecimento, planejar não só o lance seguinte, mas os do futuro. Inicia com um pensar, estabelece a tática, atrai o adversário, surpreende e vence. Esta é a diferença básica do futebol europeu dos grandes clubes, de seleções do praticado no Brasil pela seleção e os clubes. O  ultimo encontro entre o xadrez e as damas foi Brasil e Bélgica. Roberto Martinez foi um Bobby Fischer contra Tite, que lembrava um jogador de pracinha. Abriu uma jogada de ataque ousada, não usual. Tite tentou marcar com uma defesa de damas. Quando percebeu que era xadrez, a Bélgica deu o xeque mate.
Futebol é o meu culto, a minha paixão. Vejo uma bola rolando e paro na frente do 'tubo'. Vejo quase tudo, todas as séries, todos os campeonatos. Nunca os noventa minutos. Alguns jogos, assisto mais, pela qualidade ou pela ruindade excessiva. Gosto de 'trash'. A melhor análise sobre a diferença rntre Europa e Brasil é de Roger Machado. Aqui ainda se pensa um futebol de posição, compartimentado, estanque e previsível. O zagueiro defende, o dez passeia em campo e cria um lance por jogo - é reverenciado -  e o centroavante - ah, coitado! se não fizer o gol - finaliza. Cada um no seu quadrado. Movimentação, troca de função, sobreposição de linhas é chamado de 'pelada'.  Tudo igual desde Charles Miller.
 O sistema é o mesmo. Treinam exaustivamente para defender. Cobrem todos os espaços, cuidam da 'segunda bola', tem sempre um rebatedor e o volante que suja o calção. A defesa é um trabalho coletivo. O ataque é uma solução individual. O velocista e o 'rompedor' que se danem. A bola é sempre longa ou cruzada. Raros os times que fogem disto. Um gol no início e o 'ônibus' é estacionado na frente da área. Na busca do empate a bola viaja alta para área. 10, 15, 20, até 50 vezes para encontrar uma cabeça salvadora. É o jogo de damas, que é sempre o mesmo. Estratégia? Uma jogada planejada, cruzando as linhas, jogando com o tempo e o espaço? Raras. Quando ocorre transforma-se em vinheta de programas.
As duas rodadas da série A, os jogos de Avaí e Figueirense na B, mostram o futebol perdido no tempo. Bons jogadores desperdiçados. Há 'torres, cavalos, bispos, rainha, - rei? não há' -, jogando como peões, subutilizados. Ás vezes, suspeito que sou crítico demais, que deveria apenas aproveitar a paixão. Noutras, acho que não é nem damas o que é jogado por aqui. Sim, jogo da velha. Todos entendem de futebol neste país. Qualquer um sabe jogar 'velha'. Dificilmente há vencedores. É um jogo simples e difícil. O empate é o resultado previsível. Exatamente como o futebol brasileiro.

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