"O mistério da Santíssima Trindade cristã é o mistério do amor divino. Você vê a Santíssima Trindade, se você vê o amor".
A definição de Santo Agostinho baliza, também, a Santíssima Trindade da bola. Se você vê poesia na bola, você entende Pelé, Maradona e Garrincha.
Mauro Pandolfi
Nas despedidas, a mãe me acaricia, beija o rosto, me abençoa e, geralmente, diz: 'confie na Santíssima Trindade'. Rio, agradeço, devolvo o beijo e o carinho, repito sempre: 'confio demais!' É a vez dela sorrir. Acho que sabe de que Santíssima Trindade eu falo. Ainda não sei quem é quem. Desconfio que Pelé é o Pai. Afinal, nem um ateu contesta a divindade, o olhar superior, o que flana sobre tudo. Já Diego é o filho. O 'rebelde' que desperta tantas paixões, como ódios acumulados. O que desafina o coro dos contentes, o crítico dos poderosos, imolado, crucificado tantas vezes, ressuscitou todas. Nenhum deles foi tão desesperadamente humano. O que foi tentado, sucumbiu, ressurgiu. Já Manoel, o Mané! é o mais etéreos dos divinos. O mais belo, o mais triste, o mais esquecido. O que não resistiu ao mundo visível. Nem no desprezo trataram como um homem. Até na dor exigiram o seu balé. Sempre o enxergaram como um 'Anjo de pernas tortas'. Quando vejo um pássaro lenbro de Mané. Certamente, preferiu 'reencarnar' um pássaro. Tomara que não esteja trancado numa gaiola cono o 'trancaram' como homem. Outubro é o mês deles. Como é o de minha mãe. As paixões estão sempre próximas.
No silêncio do quarto percebi que estou encurralado. Nos meus medos e na sobrevivência, pelos olhares aflitos de meus filhos com a vida cortada no início dela. Sem escolas, sem amigos, saídas fugazes. Todos os sonhos adiados. Embalam seus dias com filmes, séries, jogos. Relaxo quando escuto os risos, os gritos de vitória. A vida pede, às vezes, exageradamente, resiliência. Para escapar do encurralamento procuro uma poesia, sobre o nada que reflete o tudo, de Chiko Kuneski e os jogos perdidos de Pelé, Maradona e Garrincha. Algumas vezes, no you tube. A maioria na memória.
No domingo preguiçoso, olhando a vida pela janela, não escrevo, uso a 'memória' para reverenciar a Santíssima Trindade.
Ando com saudade do beijo, do carinho da benção, do conselho da mãe. Saudade de um belo domingo com todos.
Santíssima trindade de outubro
"Se Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola"
A elegia de Armando Nogueira serve, também, para Garrincha, Maradona, Didi, Sivori, Falcão, Kopa. Gênios que nasceram neste mês. E, para Messi, que se nasceu em junho, foi 'fabricado' em outubro.
Mauro Pandolfi
A cor de outubro é rosa. A imagem é a bola. Não há nada tão perfeito como a bola. Não há lado, nem ângulos, nem arestas. Há o objeto que flutua entre o sonho e a poesia. A bola que rola macia, suave, rápida nos pés de gênios, magos, artistas que nasceram em outubro. Craques que acariciavam a bola como Didi. Ou, desfilavam a elegância com ela grudada no pé feito Falcão. Insinuante, ligeiros, fascinados pelo gol como Kopa e Sivori. Mas, é num trio que o futebol se explica, apaixona, encanta, dilacera, torna-se religião, literatura, arte. Pelé, Garrincha e Maradona. Sete dias em que a estrela brilhante no céu era uma bola. Pelé é do dia 23; Garrincha, de 28 e Maradona, dia 30. A Santíssima Trindade! Os três poderiam ter nascido bola. Deram vida a bola. Tornaram a bola o Santo Graal dos tempos modernos.
Pelé! O nome que não precisa de adjetivo. É um adjetivo! Basta citar...Pelé! Você já sabe do que se refere. Ele não inventou o futebol. Nem a bola. Mas, virou símbolo, referência, sinônimo. Pelé é um nobre. Um rei coroado algumas vezes. A primeira, aos 18 anos, em 1958. A última, hoje 23 de outubro, dias dos seus 75 anos. Foi lembrado, muito pouco, quase nada, por alguns jornalistas, amantes do futebol e pelos torcedores do Santos. E foi chamado de Rei Pelé! Ele é um mito! Mitologia não se explica. É, e pronto! Édson Arantes do Nascimento nunca conseguiu ser um cidadão comum. Pelé nunca deixou. Pelé jogava feito prosa. Do passe medido, da tabela, do gol, do pulo com o punho cerrado, socando o ar. É a melhor frase do futebol!
Vi um só jogo de Mané Garrincha. O último! O da despedida com a camisa da seleção contra o time de estrangeiros que jogavam no Brasil. Foi em 73. Verdes anos, pouca coisa para contar, muitas para sonhar. Lembro do lance. Garrincha parado. Corpo arqueado, nada que lembrasse um atleta. A bola presa no seu pé. Negaceou. Foi e voltou. O uruguaio Bunuel foi. Na volta, virou mais um João. A bola passou entre as pernas. As 150 mil pessoas vibraram com o drible derradeiro de Garrincha com a camisa da seleção. Aliás, com Pelé e Garrincha em campo, o Brasil nunca perdeu. Garrincha é um poeta. O homem que sucumbiu as tentações, ao amor e a paixão. Garrincha é o maior fantasma do futebol. Esta sempre presente num campo. Está no desejo do torcedor, na saudade de um velho amante da bola, num drible, num passe cruzado, num corte, no chute certeiro...na ausência da alegria. Todo jogo burocrático, sem graça, sem alma é uma outra morte do Mané.
Diego Armando Maradona! Eu não era mais um garoto. Já tinha escapado no exército, de Brasília. em 79 Vi pela primeira vez um jogo de Maradona. Um amistoso contra Alemanha. Não lembro resultado, nem vou pesquisar no google. Há um lance que de tempos em tempos relembro. Em todos os jogos que joguei tentei repetir. Belo demais! Alguns fiascos. Quando deu certo, virou gol. O lance é magia pura. Bola lançada pela direita. Longa, quase escapando. Maradona domina. Cercado, da dois passos em direção à linha de fundo. E, de letra, com o pé esquerdo, passando por trás do direito, cruzou. Os alemães ficaram atônitos e Ramón Diaz perdeu o gol. Nunca mais perdi Maradona de vista. Acompanhei a sua carreira, a glória, a tragédia pessoal, os equívocos, os acertos, a canonização, a humanização. Maradona tem algo de Pelé e muito de Mané. Que falta faz!
O dia da poesia, 31, fecha o mês dos ilusionistas da bola que poderia ser definido assim: "Futebol se joga no estádio? Futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma" (pequeno verso de Carlos Drummond de Andrade também de outubro, uma espécie de Pelé, ou seria Mané, ou quem sabe Maradona, entre os poetas?).
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