sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Édson, 80!

 

"Pelé não morre. Pelé nunca vai morrer. Pelé continuará para sempre".
Quem está de aniversário é o Édson Arantes do Nascimento. Vida longa! Enquanto rolar uma bola, num campo, numa praia, é dia de Pelé. Ele não nasceu e nem se tormou bola. Pelé é somente o futebol.

Mauro Pandolfi

Édson Arantes do Nascimento é um homem discreto. Muitas vezes, silencioso. Já até confundido com um poeta. Hoje a sua casa está em festa. Pouca gente. Quem sabe, só a família. É o isolamento deste tempo sombrio.. Édson comemora os oitenta anos. Acho que o seu alter ego vai aparecer. Se tivesse feito o concurso para o Banco do Brasil, como queria seu pai, poucos, quase ninguém, conheceria o seu personagem favorito. Mas, Édson preferiu a poesia do campo no lugar da burocracia bancária. Boa escolha! Perdeu a privacidade e ganhou o mundo. Não o Édson. Ele continua vivendo no seu mundo, protegido como identidade que um dia foi secreta, vivendo a reta final da vida com todas as dores, exatamente igual, aqueles que o tempo envelhece. Tenho dúvidas se o Édson consegui ser Èdson em algum momento. Deve ser muito difícil ser Édson quando se foi Pelé. Ele é um homem como eu, você, quem lê, se é que alguém vai ler, este texto é de carne, osso, mortal. Infelizmente, mortal! Enquanto Pelé é infinito. Para sempre!
Pelé era a maior foto na parede do quarto. Aninhado na rede do gol mil, beijando o santo graal dos tempos moderno. Acordava e olhava Pelé. Reverenciava a tanto Pelé, que não o usava em jogos de botões. Sabia que jamais poderia repetir o seu futebol. Já pensou errar um gol? Chutar a bola longe? Evitei o vexame de Pelé.  No meu mundo do botão, ele não existia. Era o funcionário do Banco do Brasil.
Já contestei a idolatria extrema de Pelé. O fato de ser tratado como insuperável. Um rei único. Insubstituível, me irritava. Qu esporte é este que parou a genialidade no tempo? Achava lenda. E, sei que a lenda é mais mágica que a realidade, então a lenda é cultuada, num ritual de devoção que me intrigava. Mas, de uns tempos para cá, a pandemia, o isolamento, o exílio me provocaram os abalos de minhas certezas. Desiludido com o presente, sem a promessa de futuro, mergulhei no passado. Vi as copas de 58, 62, 70, alguns jogos do santos. Me rendi!  Vi o meu equivocot. Messi é genial. Cruyff foi estupendo. Maradona é próximo de Deus. Mas, GOD is Pelé!, como foi a manchete do Sunday Times! Fui 'devorado' pela lenda. Nunca vi nada igual! Física e poesia. Equilíbrio e versos perfeitos. Extraordinário! Mesmo eu sendo republicano, me considero um súdito deste rei mágico e generoso. Um súdito que tem saudades  dos jogos que não viu de Pelé.
Não ia escrever nada. Quem ama o futebol precisa reverenciar e agradecer. Republico um texto simples, sem brilho, que lembra mais um marcador assustado, do que um lance inesquecível de Pelé.

Pelé. 75!

Mauro Pandolfi

O gol é o melhor momento do futebol? Ou, seria um drible? Uma defesa está fora da escolha? Ou, o gol que não quis acontecer? Não sei! Tenho dúvidas! Vibrei com tudo isto. São imagens que surgem, por insight, na mente. Estão na memória de um menino que brincava com bola. E, de tempos em tempos, revejo em sonhos, numa leitura ou no you tube. O gol da Rua Javari, que ninguém viu, é descrito com requintes de obra de arte. O drible antológico, sem bola, em Mazurkiewsc é um espanto. Impossível! O chute longo, louco, lúcido, do meio do campo, que irritou Gérson e desesperou Viktor, e foi para fora, é mais espetacular do qualquer golaço. A cabeçada certeira, firme, para baixo, como ensinam os manuais, escritos por Pelé, da defesa impossível de Banks. Isto é Pelé. Ele é o futebol! Pelé está de aniversário. Feliz 75!
O futebol é o mais louco dos esportes. E, nem é esporte. É um teatro de grama e paixão. Sempre está mudando o jeito de jogar. Reinventa-se a procura do novo, da surpresa, do imponderável. No entanto, uma coisa é imutável no futebol. Quer irritar uma pessoa do futebol? Questione a realeza de Pelé! Primeiro, único, insubstituível, mágico, deus, mito, atleta do século. Nada é maior que Pelé. Até quem nunca o viu, o defende com ferocidade. Pelé é sinônimo de futebol. Vi muito pouco Pelé ao vivo. Procuro em partidas perdidas no you tube. Era extraordinário! Corpo atlético perfeito. Técnica apurada. Senso de espaço, de colocação. Cerebral nos passes, na antevisão do lance, na vingança as agressões. O drible não era um um devaneio lúdico. Usava como um recurso para o gol. Como dizia meu pai, "um monstro!"
Copa do Mundo. México 70. O auge do futebol brasileiro. O único momento que a mitologia foi real, não a fantasia de uma história oral fascinante. O melhor time de todos os tempos. Uma máquina. A Seleção Brasileira nunca mais foi a mesma. Nem o futebol. Um jogo mágico, revolucionário. Compactada, os setores eram um só. Movimentação, articulação, contra-ataque, troca de passes. Time de craques, de jogadores comuns, comandada por um gênio, Pelé. Nunca mais estes jogadores, nem Pelé, repetiram a performance do México. Viveram, sobreviveram e permanecem na lembrança por aquele futebol extraordinário.
Quem mais foi Pelé? Diego Armando Maradona é o mito de minha geração. Vi ao vivo. Vi garoto, vi no auge, vi na decadência. Habilidoso demais! A bola era um extensão de seu corpo. Genial e genioso. É mais Garrincha que Pelé. É um outsider, um 'marginal', um rebelde, contestador. Maradona é poesia. Pelé é prosa. Johan Cruyff era a expansão do jogo de Pelé. Tornou o campo redondo e deixou o futebol mais simples, inventivo e complexo. Há outros tantos. Mas, o tempo foi passando e ficaram apenas na lembranças de seus torcedores.
Ninguém é tão Pelé como Lionel Messi. São parecidos em quase tudo. Gostam de vitórias, de gols, de títulos. Olho a tevê. Vejo o gol de Messi. No you tube, procuro Pelé. Vejo um gol. O lance é quase uma cópia. Arrancada pelo meio, passando pelos zagueiros, tabelando com o avante, recebendo na frente, fuzilando um goleiro indefeso. Dribles curtos, longos. Chutes precisos. Messi é Pelé. Estou vendo a rejeição da comparação. Uma pequena vaia no fundo da sala. Faz parte do jogo, da crônica.
Sujeito estranho este Pelé. Não o via como uma pessoa. Era um mito, um ídolo, um santo. A foto de Pelé era a maior do meu quarto em Lages lá por 73. Pelé aninhado na rede, beijando a bola num ato de amor. Cena do gol mil. O poster dividia a parede com vários outros deuses pops. A sua direita, um seio da bela morena Nídia de Paula escapava do biquini. À esquerda, o olhar melancólico de John Lennon era a minha inspiração para as redações da escola. Um maluco matou os sonhos de John. Nídia desapareceu sem deixar pistas e Pelé continua eterno.

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