terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

O espelho!

 

"Os espelhos são usados para ver o rosto. A arte para ver a alma"
A frase de Bernad Shaw explica o encantamento com as fotos de Messi e Pelé repetindo o mesmo gesto.. Ela não refletiu apenas a semelhante imagem. Ela capturou a alma do jogo, decifrou a genialidade e o mistério que fazem do futebol a grande arte humana.

Mauro Pandolfi

Quanto tempo um espelho leva para refletir a imagem? Milionésimos de segundos? Não há como medir o tempo de tão imediato que é? O reflexo é só um engano, um erro do olhar? Uma eternidade? 49 anos! Foi o tempo que separou Pelé de Messi. Duas fotos, o mesmo gesto. Tão iguais de tão diferentes que são. Um é negro, destro, brasileiro, o maior do século 20. O outro é branco, canhoto, argentino, o gigante - até o momento - do século 21. Os dois repetem o mesmo gesto, tem o mesmo olhar, parece até o mesmo grito. Pelé está no colo de Jairzinho. Dembelé quem segura Messi. Nem a física explica o lapso de tempo que separa e une estas 'entidades' que desafiam a lógica do tempo e espaço com poesia. São momentos de magia, de puro encantamento, de uma imensa felicidade em brincar com mais fascinante brinquedo para um menino: a bola.
Gosto dos jogos perdidos. Destes que sobrevivem na minha memória, nas histórias que li ou nas fantasias que ouvi de velhos amigos, jornalistas, amantes da bola. A deslumbrante atuação de Messi contra o Sevilha despertou a minha curiosidade em ver Pelé. Vi o filme 'Pelé Eterno'. Lá estão os seus gols, seus passes, seus dribles, a perfeição  como atacante. Faltou a essência, a alma do craque. Tem a sutileza e a malícia. A extraordinária capacidade de inventar lances, de produzir jogadas originais. Mas, faltou algo. O pensar, o jeito 'filosófico' de decifrar o jogo, de transformá-lo em algo tão simples que qualquer mortal pode produzir num campo, numa pelada, num sonho, na imaginação. O Pelé intenso vi na final contra a Itália em 70. Defino ele em uma palavra: extraordinário! Poderia ser, também, fabuloso! Pelé foi completo, perfeito neste jogo. Soberano em campo. Comandou o time, organizou as jogadas e fez um gol de cabeça, que originou a foto, magnífico. Fachetti, o marcador italiano que disputou o lance com Pelé, disse após o jogo: 'já tinha descido e ele estava no alto, parado, observando a bola entrar. Fantástico!' Isto é Pelé! O eterno!
Não gosto de teipes. Deixo para ver anos depois, para curtir a saudade de um tempo perdido. Mas, vi, outra vez, um jogo do Barcelona. Já sabia que Messi tinha marcado três golaços. Fui conferir. Indizível! Magistral! Extravagante! Se Pelé parou no ar para cabecear, Messi 'abduziu' a bola. Trouxe mansamente para um voleio único. Preciso! O segundo gol foi o mais comum dos três. Um chute seco, certeiro, de pé direito, no ângulo esquerdo, que poucos fazem. Lá, onde a coruja dormia. Porém, o excêntrico foi o terceiro. Onde todos são comuns, LioneL Messi esbanjou poesia. Um toque sutil, leve, apenas para encobrir o goleiro desavidado. A essência de Messi apareceu no passe, na assistência para Suarez. O refinamento, a elegância, a maciez, o carinho que trata a bola. Fantástico! Isto é Messi! O eterno!
Pelé e Messi. Nomes e mitos. Poetas de dribles requintados. Prosadores de passes tão singulares que parecem desenhado por um artista iluminado. Discutir quem é melhor é a mesma comparação entre Picasso e Michelangelo. Tempos e espaços diferentes. São outros olhares, outras cores, outros significados. A foto tirou todas as minhas dúvidas. Estão lado a lado, mirando-se, trocando olhares, quem sabe, pensares. Pelé e Messi são o mesmo em tempos diferentes. O espelho reflete a mesma imagem. Pouco importa se levou 49 anos para decifrar o mistério do futebol.

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