sábado, 9 de fevereiro de 2019

Os meninos do Flamengo



"Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso'.
A delicadeza de Mário Quintana é um artifício que uso para conviver com a dor da morte de jovens sonhadores, como os meninos do Flamengo.

Mauro Pandolfi


O futebol é o meu 'campo dos sonhos'. No imaginário monto esquadrões em partidas memoráveis que parece nunca ter fim. Junto craques de todos os tempos. Os vistos e os lidos. Os que formam a mitologia do futebol. Deuses, semideuses, ídolos, mitos, craques. Duncan Edwards é um dos mais fascinantes de todos os tempos. Duncan era um candidato a gênio. Mas, a vida foi implacável com ele. Morreu aos 21 anos no acidente que matou sete jogadores do Manchester United, no dia 06 de fevereiro de 1958, em Berlim. O mago Bobby Charlton, um dos sobreviventes, sempre disse que 'Duncan seria o maior de todos. Era melhor que Pelé, Maradona, Di Stefano pois era superior em todos aspectos do jogo'. Lembrei de Duncan após a tragédia que matou 10 meninos sonhadores. O futebol ficou sem nexo. O mesmo sentimento que tive após o desatre da Chapecoense. Como ver futebol sem alegria? Por que escrever sobre o futebol depois de uma tragédia como esta? Não sei! Talvez, uma maneira de expiar a dor, de sentir vivo, de continuar.
Caminhando para o trabalho, triste, reflexivo, penso na vida. O que é a vida? Depois de uma tragédia como esta, a que envolve crianças e jovens, acho que a vida é um estelionato. Nos dá talento, propõe felicidade, festa, alegria. E, de repente, nos tira tudo. É mais cruel quando envolve jovens. Todas as tragédias com garotos, garotas me abala. Me deixa fragilizado. Penso nos meus filhos. Me coloco no lugar dos pais dos filhos mortos. A dor que inverte a lógica da vida. A mais dolorida, a que nunca se recupera. Tenho um amigo budista que fala 'a morte é a mais democrática instância da vida. A que não é preconceituosa. A que envolve todos. A única certeza! Um dia esta vida terrena se juntará a vida infinita e tudo se tornará uma lembrança'. Uma amarga lembrança!
Às vezes, brinco que a vida é uma copa. Só tem um turno. Não tem a volta. Deveria ser por pontos corridos. Turno e returno. Daria para compensar o que 'perdemos' na ida e se reorganizar na volta. Porém, a lógica da vida não é um jogo de futebol. É bela, intensa. Mas, finita. E, muito frágil! Deixamos para depois várias coisas. Há tempo para tudo.  Afetos, amores, passeios, desejos. Então, percebemos que o tempo é apressado. E, a vida passou. A morte de um jovem é um duro, triste, ensinamento. É preciso viver com intensidade. Seja curta ou longa, é fundamental tornar a vida extraordinária. Mas, são as tragédias causadas pela ganância, pelo descaso, pela omissão, que encurtam muito das vidas. E, quase nada, acontece aos responsáveis. 'Fatalidade', dizem. E, com o tempo tudo fica esquecido até a próxima tragédia. Que não tem hora ou lugar neste Brasil. Só uma certeza: vai acontecer outra vez. Boa sorte para todos nós!
"Como a senhora explicaria a um menino o que é felicidade? Não explicaria. Daria uma bola para que ele jogasse..." Dorothee Solle entendeu como poucos a importãncia da bola, do sonho.  Ao ler esta frase lembro de Vitinho, o menino de Florianópolis, que teve a vida surrupiada pelo incêndio no Ninho do Urubu. Aos 15 anos, a bola foi tudo para ele. Imagens mostraram sempre junto a bola ou uma referência ao futebol. Ia realizar o sonho de jogar no Maracanã, de dar uma vida boa aos seus familiares. O futebol é ainda a grande chance de ascensão social neste trágico país. Não sei se Vitinho seria um craque, um goleador. Nunca saberei. Mas, não custa imaginar, no meu campo dos sonhos, uma jogada entre Duncan e Vitinho.


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