"O livro é uma extensão da memória e da imaginação".
Não
sei se Jorge Luís Borges colecionou álbum de figurinhas na infância.
Sempre tive um álbum em meio aos meus cadernos. Eles me ajudaram a ter
ídolos, imaginação e descobri a importância dos amigos. Sem eles é impossível completar um álbum.
Mauro Pandolfi.
A
casa estava cheia. Dia da estréia do Brasil. Todos quietos. O silêncio
foi quebrado por Ladislav Petrás. Quase ninguém ligou para o gol. O que
gerou espanto foi a comemoração. Petrás correu, seus companheiros atrás,
ajoelhou-se e fez o sinal da cruz. Meio enviesado. Nunca num campo de
futebol se viu isto. Ainda mais, de um país, a Tchecoslováquia,
comunista. O Brasil virou, venceu, Pelé quase marcou um gol espetacular
lá do meio campo, Jairzinho comemorou o gol igual a Petrás. No dia
seguinte ao jogo, Petrás era a figurinha mais desejada em Lages. Todos
queriam. Quem tinha, barganhou bastante. Sei de uma troca por pastel e
laranjinha. Nunca consegui. Meu amigo Carlinhos recusou trocá-la por
Tostão e Gigi Riva. Dias depois, recusei trocar Dumitrache, atacante da
Romênia, que marcou um gol contra o Brasil, por Beckembauer e Muller.
Nem ele cedia Petrás, nem eu, Dumitrache.
Adoro
álbuns de figurinhas. Tenho alguns na memória. Havia os que davam
prêmio, tinham as figurinhas carimbadas. Difíceis, quase impossíveis de
conseguir. Nunca cheguei perto de um prêmio. Nunca completei um álbum.
Faltaram cinco ou seis para completar o de faroeste. Andava no bolso,
com uma moeda furada, a figurinha de Giuliano Gemma. Ringo em 'Um Dólar
Furado'. Era a minha favorita. Ele era meu ídolo, meu herói. Tim Holt,
John Wayne, Rim Tim Tim, Roy Rogers, mitos de minha infância. Outro
marcante, era os 'Ídolos da TV'. Só completei a página da 'Jovem
Guarda'. Lembro a alegria quando tirei a figurinha de Erasmo Carlos.
Ainda me emociono com 'Sentado À Beira de Um Caminho'. São páginas de um
livro bom, a vida!
Sábado,
o André me surpreendeu. Pediu o álbum da copa. Ele que não gosta de
futebol ficou envolvido com a alegria de Guilherme e Bianca, seus
primos, trocando figurinhas. Gostei da idéia. Fizemos os álbuns desde a
copa de 98. Em 2002, com quatro anos, André, que já sabia ler, conhecia
todos os jogadores do álbum. Não precisava lista para as trocas. A
memória visual era impressionante. Quando eu tinha dúvida de algum
jogador, não lembrava quem era ou não conhecia, ele identificava. Foi
assim em 2006 e 2010. O Pedro era idêntico ao André na identificação, na
memorização, no abandono do futebol. Jà em 2014, o álbum ficou jogado
num canto. Não lembro se foi completado, guardado ou jogado no
reciclado. É assim que começa a perda da memória,.do passado, do
vivido..
Fiz
tantas mudanças na vida. De lá para cá, coisas, caixas, objetos se
perderam, sumiram. Não perdi a coleção da Placar, nem os times de botão.
Mas, os álbuns nunca mais vi, assim como alguns livros. Os sebos não
vendem álbuns de figurinhas. Pertencem aos colecionadores. Aquele da
copa de 70 deve valer uma fortuna. Poxa! A figurinha do Dumitrache ia me
ajudar pagar as dívidas.
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