sábado, 10 de março de 2018

Jogo perfeito



"Como a senhora explicaria a um menino o que é felicidade?
Não explicaria. Daria uma bola para que ele jogasse..."
Só uma teóloga, como Dorothee Solle, para entender a semelhança entre uma bola e Deus. Entre a fé e a paixão. A perfeição os une.

Mauro Pandolfi

A bola é bela. Elegante em sua forma esférica. Divina como a fé de seus apaixonados. Primorosa no seu desenho mágico. Não há lados, nem ângulos, muito menos arestas. Voa, pula, corre. Lírica, poética, lúdica.  Flutua como sonho, esperança, desejo. A bola é perfeita num jogo mais do que perfeito de tão imperfeito que é. O futebol deveria ser um adjetivo de vida. Em um estádio está tudo lá o que chamam de vida. Desde a dor até a alegria, do ódio ao amor.  A bola é precisa. O futebol não é preciso. A beleza do jogo não está só no sublime. O acaso o torna extraordinário. O improvável, o mais fraco, os perdedores podem vencer.. Mas, então, qual a necessidade de uma equipe perfeita, sem erros, avassaladora? É só um delírio do torcedor e do comentarista. Eles nunca perdem um jogo.
Poucas equipes estiveram tão perto da perfeição como a Holanda de 1974. Inventada pelo mais genial dos treinadores, Rinus Michels, foi chamada de 'Futebol Total'.   "Trabalhei com eles durante três meses. Eu os motivei e passei a forma básica do funcionamento da equipe, baseada no conceito de ocupar todo o campo, ganhando a bola do rival mais próximo da trave dele, produzindo rapidamente o ataque com homens necessários, sem distinguir o número da camiseta, e logicamente, fazendo as mudanças necessárias. os jogadores entenderam, deu resultados e vocês, jornalista, definiram como futebol total" , explicou Michels. O 'comum' muito bem jogado da Alemanha atropelou a revolução. Os fragmentos da Holanda sobrevivem até hoje.
O torcedor deseja a vitória. O apaixonado suspira por um drible, um passe, um golaço. O comentarista esportivo sonha com a perfeição. Há tantos jogos envolventes, de placares díspares, de muito ataque, muito envolvimento, vibrante, e o que é 'pago para dar opinião' resume: 'é emocionante. Mas, não é um bom jogo tecnicamente!'. Que raios é um jogo 'bom tecnicamente' que o jornalista almeja? Alguns dizem que o jogo perfeito é o 0 a 0. Defensivamente, sim! E, os gols, como ficam? . A beleza do futebol está no desenho tático, nos dribles, a improvisação, nos gols, nas defesas . A perfeição do jogo é a emoção que produz. O encantamento que causa. A tristeza que provoca. É o que se pode chamar de vida. É o que permite sonhar, recomeçar, continuar, viver, desejar, torcer outra vez.
Pelé continua, para muitos que amam a bola, a melhor definição de futebol. Marcou mais de mil gols, ganhou todos títulos possíveis, é o Rei. No entanto, seus lances mais lembrados são 'erros'. O chute lá do meio do campo, contra a Tchecosloivaquia, e o desespero do goleiro Viktor são imagens marcantes. Virou referência aos 'mortais'. Tantos fizeram o gol que Pelé não fez. O drible em Mazurkiewisc, a defesa esplendorosa de Banks, imagens eternas, vinhetas de programas esportivos, erros mais do que perfeitos. A perfeição é um engano doloroso. Tanto no futebol, como na vida.

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