"Se Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola"
A
elegia de Armando Nogueira serve, também, para Garrincha, Maradona,
Didi, Sivori, Falcão, Kopa. Gênios que nasceram neste mês. E, para
Messi, que se nasceu em junho, foi 'fabricado' em outubro.
Mauro Pandolfi
A
cor de outubro é rosa. A imagem é a bola. Não há nada tão perfeito como
a bola. Não há lado, nem ângulos, nem arestas. Há o objeto que flutua
entre o sonho e a poesia. A bola que rola macia, suave, rápida nos pés
de gênios, magos, artistas que nasceram em outubro. Craques que
acariciavam a bola como Didi. Ou, desfilavam a elegância com ela grudada
no pé feito Falcão. Insinuante, ligeiros, fascinados pelo gol como Kopa
e Sivori. Mas, é num trio que o futebol se explica, apaixona, encanta,
dilacera, torna-se religião, literatura, arte. Pelé, Garrincha e
Maradona. Sete dias em que a estrela brilhante no céu era uma bola. Pelé
é do dia 23; Garrincha, de 28 e Maradona, dia 30. A Santíssima
Trindade! Os três poderiam ter nascido bola. Deram vida a bola. Tornaram
a bola o Santo Graal dos tempos modernos.
Pelé!
O nome que não precisa de adjetivo. É um adjetivo! Basta citar...Pelé!
Você já sabe do que se refere. Ele não inventou o futebol. Nem a bola.
Mas, virou símbolo, referência, sinônimo. Pelé é um nobre. Um rei
coroado algumas vezes. A primeira, aos 18 anos, em 1958. A última, hoje
23 de outubro, dias dos seus 75 anos. Foi lembrado, muito pouco, quase
nada, por alguns jornalistas, amantes do futebol e pelos torcedores do
Santos. E foi chamado de Rei Pelé! Ele é um mito! Mitologia não se
explica. É, e pronto! Édson Arantes do Nascimento nunca conseguiu ser um
cidadão comum. Pelé nunca deixou. Pelé jogava feito prosa. Do passe
medido, da tabela, do gol, do pulo com o punho cerrado, socando o ar. É a
melhor frase do futebol!
Vi
um só jogo de Mané Garrincha. O último! O da despedida com a camisa da
seleção contra o time de estrangeiros que jogavam no Brasil. Foi em 73.
Verdes anos, pouca coisa para contar, muitas para sonhar. Lembro do
lance. Garrincha parado. Corpo arqueado, nada que lembrasse um atleta. A
bola presa no seu pé. Negaceou. Foi e voltou. O uruguaio Bunuel foi. Na
volta, virou mais um João. A bola passou entre as pernas. As 150 mil
pessoas vibraram com o drible derradeiro de Garrincha com a camisa da
seleção. Aliás, com Pelé e Garrincha em campo, o Brasil nunca perdeu.
Garrincha é um poeta. O homem que sucumbiu as tentações, ao amor e a
paixão. Garrincha é o maior fantasma do futebol. Esta sempre presente
num campo. Está no desejo do torcedor, na saudade de um velho amante da
bola, num drible, num passe cruzado, num corte, no chute certeiro...na
ausência da alegria. Todo jogo burocrático, sem graça, sem alma é uma
outra morte do Mané.
Diego
Armando Maradona! Eu não era mais um garoto. Já tinha escapado no
exército, de Brasília. em 79 Vi pela primeira vez um jogo de Maradona.
Um amistoso contra Alemanha. Não lembro resultado, nem vou pesquisar no
google. Há um lance que de tempos em tempos relembro. Em todos os jogos
que joguei tentei repetir. Belo demais! Alguns fiascos. Quando deu
certo, virou gol. O lance é magia pura. Bola lançada pela direita.
Longa, quase escapando. Maradona domina. Cercado, da dois passos em
direção à linha de fundo. E, de letra, com o pé esquerdo, passando por
trás do direito, cruzou. Os alemães ficaram atônitos e Ramón Diaz perdeu
o gol. Nunca mais perdi Maradona de vista. Acompanhei a sua carreira, a
glória, a tragédia pessoal, os equívocos, os acertos, a canonização, a
humanização. Maradona tem algo de Pelé e muito de Mané. Que falta faz!
O dia da poesia, 31, fecha o mês dos ilusionistas da bola que poderia
ser definido assim: "Futebol se joga no estádio? Futebol se joga na
praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma" (pequeno verso
de Carlos Drummond de Andrade também de outubro, uma espécie de Pelé, ou seria Mané, ou quem sabe Maradona, entre os poetas?).
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