"...E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti".
O receio de Nietzsche jamais se aplicará ao futebol brasileiro.Ele
rejeita olhar para fora e, muito menos, para dentro. O abismo beira a
eternidade.
Mauro Pandolfi
Nunca
se jogou tão bem o futebol como hoje. Todas as valências em campos.
Estão lá a habilidade, a técnica, a força, a estratégia, o poder mental.
As virtudes, os conceitos, a inteligência inundam os campos. Para
vencer é necessário uma boa tática, lucidez, volúpia, estilo,
refinamento, arte. É como se joga na Europa. Nos grandes clubes, nos
clássicos, nos principais campeonatos. Talento que decidem jogos numa
partida planejada em todos os detalhes, nem sempre definitivos. Às
vezes, o acaso feito a dribles, como poesia; outras, trocas de passes,
tabelas, como uma prosa, definem uma partida. Um abismo nos separa. O
futebol brasileiro está preso numa circular histórica, que num momento
avança, no outro, regride. É refém de velhas ideias, de análises
ultrapassadas, de uma mitologia encantadora, porém fantasiosa, que
recusa a se transformar. Nem o 7 a 1 da Alemanha provocou a revolução
desejada. O vexame tornou-se apenas um 'apagão'. Portanto, nada precisa
ser feito. Apenas, entrar 'ligado' no jogo.
O
futebol é o melhor produto do Brasil. É o mais cobiçado, desejado,
consumido. Os grandes europeus pagam fortunas pelos garotos. Os médios,
vão em buscas dos já formados. Os asiáticos querem o que tiver à mão.
Perdemos craques, bons jogadores e, até bondes, todos os anos. Um clube
no Brasil arma de três a quatro times por ano, um inferior ao outro. O
poderio financeiro europeu, que forma seleções em cada clube, é
devastador. Não é só isto. A estrutura ajuda. Há outras virtudes. O
pensar influencia. São táticas ousadas, diferentes, ofensivas. Aqui,
joga-se para não perder, buscar um ponto fora de casa, pelo regulamento,
pelo mínimo. O esquema tático predominante é 4321. Raros times europeus
o usam. O Manchester City de Guardiola varia no 352 ou 253. Neste país,
um 352 é armado com três rebatedores, quebradores de bola, vagarosos na
primeira linha. Guardiola usa os hábeis, os velozes, os que sabem
jogar. Há inúmeras variações usadas na Europa. Um bom ano de estudo, de
acompanhamento, estágios modificaria. Porém, estudar é para os fracos
O
décimo colocado do Campeonato Inglês ganha o brasileirão. O quinto e o
sexto, de outras competições europeias, como alemães, italianos e
espanhóis, disputam o título. Os líderes dos campeonatos português e
francês beliscam o primeiro lugar. Já, os principais times brasileiros,
num campeonato de ponta europeu, tentam fugir do rebaixamento. É só uma
tese. Mas, quando assisto estes campeonatos na tevê, o abismo é mais do
que profundo. É insofismável! A qualidade do futebol brasileiro está na
seleção de Tite, que é formada.por jogadores que 'aprenderam' o pensar, agir, onde o novo não se esconde sob o sol ou a neve..
O
futebol brasileiro é mágico. A mistificação criou um estilo, um
conceito, fama. Um imaginário quase sempre divino e maravilhoso. O
futebol brasileiro é uma invenção dos anos 40, glorificado nos
50, endeusado nos 60 e 70, arrogante nos 80, resistente nos 90 e
sobrevivente no século 21. Nunca existiu a imensidão de craques contados
em versos e prosa. Produziu lugares
comuns, chavões, mantras, tudo falsificado por um olhar enganoso. O
futebol sempre foi mais mítico do que real. Mais fantasia do que
verdade. Mais poesia do que prosa.O futebol foi mais escutado, lido do
que visto.
Há 'poetas' que recitam escalações de craques que nunca viram jogar.
Alguns tão geniais, que nem um iconoclasta, como eu, renega o talento.
No entanto, há jogadores superestimados por títulos ganhos. Outros
subestimados, pela ausência de conquistas. O futebol brasileiro não
sobreviverá em uma
análise rigorosa, pragmática quando alguém resolver contar. 'a
verdadeira história'. Até lá, perpetuaremos as lendas. Afinal, neste
país despedaçado, devastado, desmoronado, o futebol é o último reduto
dos românticos. Afinal, para nós, os amantes da bola, o jogo é poesia,
como esta de Carlos Drummond de Andrade:
"Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor".
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