sábado, 21 de outubro de 2017

O abismo



"...E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti".

O receio de Nietzsche jamais se aplicará ao futebol brasileiro.Ele rejeita olhar para fora e, muito menos, para dentro. O abismo beira a eternidade.

Mauro Pandolfi

Nunca se jogou tão bem o futebol como hoje. Todas as valências em campos. Estão lá a habilidade, a técnica, a força, a estratégia, o poder mental. As virtudes, os conceitos, a inteligência inundam os campos. Para vencer é necessário uma boa tática, lucidez, volúpia, estilo, refinamento, arte. É como se joga na Europa. Nos grandes clubes, nos clássicos, nos principais campeonatos. Talento que decidem jogos numa partida planejada em todos os detalhes, nem sempre definitivos.  Às vezes, o acaso feito a dribles, como poesia; outras, trocas de passes, tabelas, como uma prosa, definem uma partida. Um abismo nos separa. O futebol brasileiro está preso numa circular histórica, que num momento avança, no outro, regride. É refém de velhas ideias, de análises ultrapassadas, de uma mitologia encantadora, porém fantasiosa, que recusa a se transformar. Nem o 7 a 1 da Alemanha provocou a revolução desejada. O vexame tornou-se apenas um 'apagão'. Portanto, nada precisa ser feito. Apenas, entrar 'ligado' no jogo.
O futebol é o melhor produto do Brasil. É o mais cobiçado, desejado, consumido. Os grandes europeus pagam fortunas pelos garotos. Os médios, vão em buscas dos já formados. Os asiáticos querem o que tiver à mão. Perdemos craques, bons jogadores e, até bondes, todos os anos. Um clube no Brasil arma de três a quatro times por ano, um inferior ao outro. O poderio financeiro europeu, que forma seleções em cada clube, é devastador. Não é só isto. A estrutura ajuda. Há outras virtudes. O pensar influencia. São táticas ousadas, diferentes, ofensivas. Aqui, joga-se para não perder, buscar um ponto fora de casa, pelo regulamento, pelo mínimo. O esquema tático predominante é 4321. Raros times europeus o usam. O Manchester City de Guardiola varia no 352 ou 253. Neste país, um 352 é armado com três rebatedores, quebradores de bola, vagarosos na primeira linha. Guardiola usa os hábeis, os velozes, os que sabem jogar.  Há inúmeras variações usadas na Europa. Um bom ano de estudo, de acompanhamento, estágios modificaria. Porém, estudar é para os fracos
O décimo colocado do Campeonato Inglês ganha o brasileirão. O quinto e o sexto, de outras competições europeias, como alemães, italianos e espanhóis, disputam o título. Os líderes dos campeonatos português e francês beliscam o primeiro lugar. Já, os principais times brasileiros, num campeonato de ponta europeu, tentam fugir do rebaixamento. É só uma tese. Mas, quando assisto estes campeonatos na tevê, o abismo é mais do que profundo. É insofismável! A qualidade do futebol brasileiro está na seleção de Tite, que é formada.por jogadores que 'aprenderam' o pensar, agir, onde o novo não se esconde sob o sol ou a neve..
O futebol brasileiro é mágico. A mistificação criou um estilo, um conceito, fama. Um imaginário quase sempre divino e maravilhoso. O futebol brasileiro é uma invenção dos anos 40, glorificado nos 50, endeusado nos 60 e 70, arrogante nos 80, resistente nos 90 e sobrevivente no século 21. Nunca existiu a imensidão de craques contados em versos e prosa. Produziu lugares comuns, chavões, mantras, tudo falsificado por um olhar enganoso. O futebol sempre foi mais mítico do que real. Mais fantasia do que verdade. Mais poesia do que prosa.O futebol foi mais escutado, lido do que visto.
Há 'poetas' que recitam escalações de craques que nunca viram jogar. Alguns tão geniais, que nem um iconoclasta, como eu, renega o talento. No entanto, há jogadores superestimados por títulos ganhos. Outros subestimados, pela ausência de conquistas. O futebol brasileiro não sobreviverá em uma análise rigorosa, pragmática quando alguém resolver contar. 'a verdadeira história'.  Até lá, perpetuaremos as lendas. Afinal, neste país despedaçado, devastado, desmoronado, o futebol é o último reduto dos românticos. Afinal, para nós, os amantes da bola, o jogo é poesia, como esta de Carlos Drummond de Andrade:
"Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor".



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