sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

O ano Tarantino

 

Mauro Pandolfi

'Nós os amamos
Nós lamentamos por eles
Garotos infelizes do Vermelho
Eu gostaria de ter caído
Caído com eles'
Lembrei da música 'Munich air disaster 1958', de Morissey, que canta a dor da tragédia do Manchester United, a mesma dor da Chapecoense.

O maior jogo da história ficou para história. Não pelos gols ou dribles. Nem pelo vencedor. Nem pelo derrotado. Ficou pelo estádio lotado. Pelos torcedores.  Pelos cantos, pelas lágrimas, pelo amor. Um jogo que foi jogado de uma maneira nunca vista.  Estavam  lá  os jogadores da Chapecoense e do Atlético  Nacional. Os colombianos fisicamente. Os brasileiros em espírito. Os balões brancos soltos a cada nome citado é a mais emocionante alegoria que vi  num teatro de grama e paixão. Como se fossem almas subindo ao céu. O encontro com Deus.  De arrepiar! Nunca  chorei tanto  numa partida. Troquei de canal algumas vezes com medo de ser traído pela emoção.
Medellin tem o tamanho do mundo. Do mesmo tamanho do Atlético Nacional. Tem solidariedade desejada pelo mundo, desejada pelos sonhadores. Todos os times, seus torcedores, estavam presentes.  Poucos no estádio. A maioria em casa chorando na frente da tevê. A torcida do Atlético Nacional reinventou  o significado do futebol. Seus cantos não  bradavam violência. Pediam paz. Não falavam de rivalidade, nem de ódio. Queriam amor. Nestes tempos loucos, furiosos de guerra e morte, a torcida redescobriu o humanismo. Poxa! Deu até  vontade  de acreditar na humanidade.
Nunca assisti uma transmissão tão eloquente, dramática, com a Fox Sports fez na quarta-feira. A tela em preto. O placar e o tempo do jogo no alto. Uma frase no meio. 90 minutos de silêncio. Uma homenagem aos seus jornalistas, a todos jornalistas que morreram na tragédia. Fechei os olhos, chorei mais um pouco, e imaginei a transmissão. Ouvir  a voz marcante de Deva Pascovicci, as reportagens precisas de Vitorino Chermont, reclamar da acidez de Mário Sérgio e o constante aprendizado tático com Paulo Júlio Clemant. Torcer para na quinta, assistir no Redação SportTv, a inspirada narração de Fernando Doesse gritando um gol da Chapecoense e ler os belos textos de André Podiack no DC. Pensei também nos outros jornalistas, nos dirigentes, na comissão técnica, nos tripulantes.
Quanta dor, tristeza, causada por uma tragédia que aos poucos vai se revelando que não foi acaso. E, sim provocada pela ganância, estupidez, jeitinho. Lembrei dos 'bravos' deputados aprovando uma 'lei pro corrupção', aproveitando a comoção, a madrugada. Alguns passaram a vida falando em ética, justiça, bradando contra os privilégios. Trocaram por um 'salvamento' de suas peles, de seus gurus, dos coronéis que mandam neste ajuntamento. Triste com a canalhice dos cartolas do Internacional, dos seus jogadores, usando a tragédia para escapar do rebaixamento. Para cair, também é preciso ser grande. Uma grandeza que Atlético Nacional ensinou ao desistir, entregar o título à Chapecoense. Poxa! Eu quase voltando a acreditar na humanidade.
"2016 é o ano Tarantino, pai!" Não entendi a afirmação do meu filho André. Ele me explicou. "Como são seus filmes? Violentos, cheio de mortes, trágicos como este ano que está demorando para terminar". Gostei da observação dele, do imaginário de quem ama o cinema. Argumentei: 'quer dizer, Deus escolhe um diretor para cada ano?' Nada religioso, ele concordou. Então, tomara que 2017, Deus escolha Frank Capra. Que o ano tenha um ar de 'A felicidade não se compra'. Só espero que Deus não escolha Christopher Nolan.

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