quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Ídolos



Mauro Pandolfi

"Pobre do povo que precisa de heróis"
Fala de Galileu, na peça Galileu Galilei de Bertold Brecht, que se tornou um dogma da esquerda.
Durante muito tempo foi minha verdade absoluta. Não contestava a frase. Repetia em cada discussão.  Escondia os meus ídolos. Rejeitava. Brigava com a alma e o coração. A mente vencia sempre. Álbuns de figurinhas joguei fora. Só  cultuava ideias e os movimentos sociais organizados. Preferia um operário a um  craque. Eu, que não acredita em Deus, divinizava o trabalhador. O homem sagrado que viria nos redimir, nos transformar, nos salvar. Sempre como movimento organizado. Nunca como pessoa. Não percebia que isto era  minha religião, meu fundamentalismo, meu fanatismo. Ídolos? Era uma propaganda  capitalista alienante. Como eu era um idiota! Ou, ainda sou? A comoção com  morte de Carlos Alberto Torres revelou-me algo que não havia notado: não há mais heróis, ídolos, no esporte brasileiro. Só os velhos mitos. Neymar é a estrela solitária.
O marxismo faz uma análise ácida da sociedade. Desvenda a origem, a formação e a superação do capitalismo. Um profunda reflexão concreta, sólido, do visível. Este é engano de Marx (quem sou eu, humilde escriba, a questionar o guru dos gurus!) e do marxismo. Faltou o imaginário, o espiritual, a anima. O que move a vida humana não é o trabalho e nem o capital. Isto é o sustentáculo do poder e do controle. O que move o homem é o não visível, o indizível, a fé, a paixão, a veneração por outro, por Deus. Isto não remove miséria e nem ditadura. Mas, provoca revoluções.
A esquerda tem, também, seus 'deuses'. Estão nas camisetas, nos posters, nas citações. Converse com um intelectual e parecerá um militante da fé. 'Está na Bíblia', diz o pregador. 'Marx afirmou na mais-valia", responde o outro doutrinador. A frase de Brecht vale só como frase. É poética saindo da boca de Galileu Galilei. Dos outros, é como farsa. Todos, as ideologias, os movimentos, a
 indústria cultural, o esporte, precisam de alguém que seja o concreto, o real para provocar os desejos e as comprovações de que vale a pena acreditar. Os heróis tem o papel dos 'Santos' da igreja católica. É a mitologia da 'auto ajuda' do indivíduo. Algo que o mantenha vivo no consumo, na ideia e na 'luta'.
Carlos Alberto Torres foi um ótimo jogador. A maior qualidade era a liderança. Personalidade forte, envolvente, por vezes, arrogante, gritava com todos. Nem Pelé escapava de suas broncas. Numa época de defensores, Carlos Alberto apoiava o ataque com mais discrição que os laterais de hoje. É o autor do mais espetacular gol em Copas do Mundo: o quarto contra a Itália. Aquele gol é a gênese de sua mitologia. Não é o maior da história, longe disto. Eu prefiro Leandro. O que me surpreendeu foi a comoção criada. Até imagens ao vivo do enterro a tevê transmitiu. Torres faz parte da geração mágica do Tri. Alguns viraram mitos. A vitória é mágica. A ausência de ídolos tornou a morte e a mitologia mais gloriosa.
Ídolos? Quem são os ídolos do esporte brasileiro? Quem ganhou ouro na Olimpíada? Não vale pesquisa! Lembram? Tem o...; também o...Ah, o Hipólito! Diogo! Não? No futebol há Neymar e Tite. Nos clubes quem são? Luan, no meu Grêmio. O vizinho, da frente, também, gremista, detesta o Luan! Quem é o ídolo de seu time? A rotatividade, crise econômica, não permite que um jogador fique muito tempo num clube. E, vai se tornar ídolo lá fora. Aqui, viramos fãs de Messi e cia. Sem ídolos, o futebol é como um filme sem um grande astro; um show sem estrelas. Pode ser bom, fantástico, inesquecível. No entanto, faltará alguém para marcar como saudades. Ah, descobri o Hipólito: Douglas! Não?

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