"Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Gérson: Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino".
A mais bela poesia do futebol. Épica, dialética, romântica. Sonora, rítmica, inesquecível. O verso 'Pelé' é mais que perfeito.
Mauro Pandolfi
Queria
escrever um texto sobre os 50 anos do tri de 70. Falar daquele time
maravilhoso, ousado, de seus deuses da chuva, da revolução feita por
Zagallo. Mário Jorge Lobo Zagallo nunca entendeu o que fez. Após a Copa,
em seus clubes e mesmo na seleção até Copa de 74, mostrou que tudo foi
um acaso, a sorte, que segundo ele, sempre o acompanhou. A transgressão
tática de 70 foi um 'equívoco' em sua jornada. Zagalo sempre foi
reacionário, tanto no futebol, como em vários setores da vida. Esta
seleção, de tempos em tempos, me visita. É uma das lembranças mais
fortes da minha infância. Queria escrever sobre ela. Sobre a magia, a
ilusão, o fascínio que os nomes me provocam. Ainda sei o nome completo
de todos os campeões. A escalação é a melhor poesia de futebol que
conheço.
Não consegui criar um texto sobre o
futebol daquele esquadrão. Passei segunda e terça pensando, abrindo baú
da memória, e vi apenas um guri que gostava de correr para sentir o
vento balançar os cabelos longos. Saudades! De tudo, principalmente, dos
cabelos.
No quarto, isolado, embalado por Roy
Orbison, vou revivendo 1970. Não chegou a ser 'um buraco de minhoca'.
Foi somente lembranças. Como gostava de olhar o Vermelhão de Copacabana.
O primeiro olhar do dia. Ao chegar na cozinha, a 'Alma Cabocla", da
Clube, terminava o despertar. Queria sair rápido de casa. Fugir da
música caipira, dos avisos, chegar no Flodoardo Cabral e ainda bater uma
bolinha no campinho de terra. As aulas, com a querida Leda, tinham o
seu encanto. Quase fui um príncipe numa peça de teatro. Perdi o
personagem para o Paulo Roberto. Talvez por ele ser melhor aluno, melhor
ator, ser mais comportado. Mais bonito, não era! Fui ser o 'abacate'.
Infelizmente, ou seria felizmente?, a peça não foi realizada. Acho que a
Leda ficou doente. Gostava daquela turminha. Ainda lembro de muitos.
Todos ficaram na poeira da saudade. Depois de 70, encontrei alguns nas
escolas, nos bailinhos,.no futebol. Desde que saí de Lages tornaram-se
imagens, que às vezes, duvido que existiram.. Quem mais queria rever,
nunca mais vi. Nádia! Nome mágico. Loirinha linda, cheia de sardas,
meiga, de um sorriso doce, uma paixão escondida em algum canto da
memória . Nunca disse que gostava dela. Amor e paixão confessei poucas
vezes.
Foi o futebol que me levou à leitura. A Leda
falou ao meu pai da minha dificuldade na leitura. Ele garantiu que iria
resolver. Fiquei eufórico! Mais gibis, pensei. Um diua o pai entrou em
casa com um monte de jornais e disse: divirta-se! Logo percebi que era
divertido saber sobre as coisas, o mundo e o futebol. Até hoje leio
jornais. Fui até jornalista por algum tempo. No curso de jornalismo fiz
grandes, eternos, mágicos amigos. Isto é para uma outra sessão de
terapia.
1970 foi uma transição de
amigos. Os da
primeira infância se mudaram. Precisei encontrar outros. O Flodoardo foi
fundamental. Descobri que o seu Jeremias, dono do armazém onde a mãe
comprou a primeira meia de futebol. Era branca, vermelha e preta até a
primeira lavagem, tinha um filho chamado Tadeu. Antônio Tadeu que todos
conheciam como Bolacha. Antigo parceiro de mascote do Internacional.
Virou amizade, um time de futebol, uma parceria, uma história que
indicava ser longa ou eterna e que relembro num texto antigo do
Crônicas.
Fim de sessão!
Meninos de Kichute
Mauro Pandolfi
"O tempo não para. Só a saudade é que faz o tempo
parar..."
Mário Quintana.
O passado é teimoso. Nunca passa. Sempre
esquece que passou. Olhe aí! Preste atenção, feche os olhos, relaxe e,
surpresa, o passado está presente. Numa foto, numa lembrança, numa cena, num
olhar. Voltei aos quatorze anos, estes dias, ao assistir o ótimo Meninos de
Kichute. É como se fosse o filme da minha adolescência.
O time da rua, a escola, os amigos e a
viagem de mudança para nunca mais voltar. 1974, aqui vou eu! Vou botar o meu
bloco na rua, ler Charlie Brown e jogar como Carlos Babington (um dez daqueles
que detesto hoje em dia). Meu amigo Bolacha preferia Cruyff.
Copacabana nunca me enganou. O lugar mais
próximo do paraíso que conheci. Lá morei onze anos, fiz amigos, curti as
primeiras namoradinhas e as festinhas embaladas por Roberto Carlos, Beatles e
um grupo estranho de gente, e nome, esquisito: Secos e Molhados. Enfrentei
muitas filas para assistir Mazzaropi e o Gordo e o Magro no Tamoio. E uma
paixão nunca confessada: adorava os filmes do Trinity. Bons tempos aqueles,
hein?
A bola é a vida deste blog. O encanto de
Copacabana era o Vermelhão. O antigo areião que transformou-se no campo do
Internacional. Depois, como o Colorado passou a jogar no Municipal, o Vermelhão
foi abandonado ao vento. Virou campo de ninguém, de todos. O nosso Maracanã.
Como era bom jogar lá. Não era só um
menino com sonho. Era um jogador. Afinal, tamanho oficial, traves e
arquibancadas. Algumas vezes corri de braços abertos, balbuciando algo em busca
do aplauso imaginário. Também, ouvi broncas, reclamações por um gol perdido.
Não era a torcida. Eram os parceiros de time. "Pqp! Não dá para perder um
gol destes, Maurinho!". Abel era o meu crítico mais feroz.
Oi, girando! Oi, girando! O campo ficou
redondo para a gang de Johan Cruyff. Todos em todos os lugares. Espaço e tempo
em um outro conceito. Bolacha, que era o principal líder do time, ficou
encantado com a Holanda. Passou a Copa toda falando da Laranja Mecânica. No dia
do jogo contra o Brasil, a sala da casa da dona Lucinda, mãe do Bolacha, ficou
lotada. Divididos entre a paixão do Bolacha pela Holanda e o 'nosso' patriotismo.
'Ame-o ou deixe-o" dizia o adesivo colado na caderneta escolar. Por
instantes, preferirmos o 'deixe-o'. Uma grande escolha.
Ah, gira, girou! Nunca tinha visto um time
como aquele. Entendi o encantamento do Bolacha. Neeskens, Resembrink, Johnny
Rep e seus amigos rodavam num carrossel mágico, igual aos dos parques que
invadiam Lages de tempos em tempos. A vitória laranja virou uma festa. Gritos,
pulos que irritaram seu Jeremias, pai do Bolacha. "Piás de merda! Cadê o
patriotismo?", reclamou. No Boldo, uma espécie de Pacaembu, imitamos a
Laranja Mecânica. Treinamos as movimentações, as trocas de posições, o passe
rápido, a velocidade e a obsessão pelo gol. Fui Cruijff durante uns meses. A
minha camisa era a 14. Aos poucos, a Copa foi se tornando saudades. Saudades
que tenho até hoje.
O dia chegou. Julho de 1975. Um domingo.
Passei com a turma da rua Irma Laurinda. Fui ao cinema, no bailinho do Juvenil,
no bolão do Princesa. Terminamos a noite no bar do seu Chico, que ficava perto
de nossas casas. Às onze da noite dei um abraço forte, fraternal, final nos
amigos. Acompanhei todos indo embora. É a última imagem que tenho deles. O tio
Danilo nos levou à rodoviária. Lages foi ficando para trás, longe. Mas, sempre
volta em sonhos e lembranças. Pena que aquele tempo ficou naquele tempo.
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