"Quando a paixão se vai, permanece o tédio e tudo acaba, mesmo que continue."
Torço
para não me enquadrar na frase de Coco Chanel. Que o meu olhar sobre o
futebol atual seja só um engano. Ou, que o engane seja o próprio
futebol.
Mauro Pandolfi
Chorei
no domingo de manhã. Me vi perdido, desolado, só. A solidão nunca me
incomodou. Vivo, de tempos em tempos, exílios voluntários. As lágrimas
foram pelo futebol. Este jogo que se transformou, como bem escreveu o
Chiko Kuneski, em um vídeo game sem alma. Ainda é o teatro de grama. A
sua essência de jogo está lá. Intacta! O talento, o drible, o passe, a
maestria, o fortuito, o acaso, o desenhado. O que foi planejado, é
cumprido à risca. Taticamente perfeito. Espaço e tempo definidos,
harmônicos. Não há excesso. Um jeito de jogar que sempre gostei. Qual o
motivo de meu desconforto, insatisfação, desespero? O teatro de grama
permanece. A paixão desapareceu. Sumiu! Não há a força vital do futebol.
Não há o grito, a demonstração do amor, o sofrimento, a alegria, a
fúria. A paixão substituída pelo vazio, pelo nada, por coisa nenhuma.
Ficou frio, frívolo, falsamente sofisticado pela tecnologia. Sem nexo.
Tristemente, lógico. Não há surpresas. O mais forte, o favorito, o
gigante sempre vence. Não há mais a pressão do torcedor inventando
vitórias, impedindo derrotas, pelo grito que sai entusiasmado do peito, pela verborragia que explode os desejos.
Como sou velho, não jogo vídeo game, fico com o xadrez. Silencioso, silente, sossegado. Ainda, encantador.
Porém, a paixão pede mais que encanto. Suspira por lascívia, por volúpia,
por libido. por concupiscência. O futebol perdeu o tesão.
Lionel
Messi salvou a minha manhã (era o teipe de Barcelona contra Mallorca).
Foi quase um Messi poético. Por instantes, meros instantes, brilhou. Despontou a
genialidade em três ou quatro movimentos. O passe preciso no gol. O gol
driblado, negaceado, no baile da ginga, em linha reta feito um poema de
Fernando Pessoa e o arremate, com jeito de fuzilamento. Para 'comemorar'
a Memória (10), escolhi um texto sobre Messi para republicar. Ah, foi
desanimador ver Arthur. Burocrático, previsível, acomodado. Nem lembrava
o dono do tempo e espaço de Grêmio. As noitadas da Catalunha despertam
prazeres, amores, festas. Não tiro a razão de Arthur. A vida é para ser
vivida. Porém, é cedo para abandonar o futebol, Arthur!
Pegadinha do Messi
Mauro Pandolfi
Pênalti
é o gol anunciado. O narrador já prepara a garganta. O
torcedor fica em pé. Ou, ajoelhado, rezando por um milagre. Onze
passos e nenhum segredo. Chute forte no canto, é gol! Há a cavadinha.
Delírio poético, sádico, cruel. O pênalti é um fuzilamento. A rede não é
de proteção. O matador está pronto. Caminha, corre, chuta...., chuta?
Gol! Não um gol comum. Uma linha de passe. O toque curto para o lado.
Goleiro desaba, torto, sem jeito. O parceiro entra sozinho, toca macio e
a bola, suave, dorme na rede. Que pênalti foi este Messi? Poesia
ou cinismo? Arte ou maldade? Sublime ou humilhação? Ou, o teatro de
grama e paixão é mais burlesco do que épico?.
Um
lance repetido. Não sei se como farsa. Johan Cruyff e Jesper Olsen
fizeram isto. Lá longe, muito longe, no século passado. Cruyff toca para
o lado. O goleiro atordoado corre. Olsen devolve para o astro. Ele, com
o gol vazio, marca. Mais um numa goleada do Ajax. Cruyff brincou com a
seriedade, o conservadorismo, o eterno mesmo do jogo. Tirou a fatalidade
do lance. Revelou que o futebol é mesmo uma brincadeira de meninos que
curtem a vida adoidado.
Lionel
Messi é um poeta que escreve versos com a bola. Líricos, abusados,
épicos. Ora, rima com Neymar. Outras, explode em um monólogo
insuperável. Neste domingo, reinventou o pênalti. Olhou o goleiro.
Parou! .Transformou o verso comum, burocrático num hai-kai: A bola
flutua mansa. Tocada, bailada, rebola. Na rede feito dança.
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