segunda-feira, 22 de junho de 2020

Memórias...(10)

  •  

    "Quando a paixão se vai, permanece o tédio e tudo acaba, mesmo que continue."
    Torço para não me enquadrar na frase de Coco Chanel. Que o meu olhar sobre o futebol atual seja só um engano. Ou, que o engane seja o próprio futebol.

    Mauro Pandolfi

    Chorei no domingo de manhã. Me vi perdido, desolado, só. A solidão nunca me incomodou. Vivo, de tempos em tempos, exílios voluntários. As lágrimas foram pelo futebol. Este jogo que se transformou, como bem escreveu o Chiko Kuneski, em um vídeo game sem alma. Ainda é o teatro de grama. A sua essência de jogo está lá. Intacta! O talento, o drible, o passe, a maestria, o fortuito, o acaso, o desenhado. O que foi planejado, é cumprido à risca. Taticamente perfeito. Espaço e tempo definidos, harmônicos. Não há excesso. Um jeito de jogar que sempre gostei. Qual o motivo de meu desconforto, insatisfação, desespero? O teatro de grama permanece. A paixão desapareceu. Sumiu! Não há a força vital do futebol. Não há o grito, a demonstração do amor, o sofrimento, a alegria, a fúria. A paixão substituída pelo vazio, pelo nada, por coisa nenhuma. Ficou frio, frívolo, falsamente sofisticado pela tecnologia. Sem nexo. Tristemente, lógico. Não há surpresas. O mais forte, o favorito, o gigante sempre vence. Não há mais a pressão do torcedor inventando vitórias, impedindo derrotas, pelo grito que sai entusiasmado do peito, pela verborragia que explode os desejos. Como sou velho, não jogo vídeo game, fico com o xadrez. Silencioso, silente, sossegado. Ainda, encantador. Porém, a paixão pede mais que encanto. Suspira por lascívia, por volúpia, por libido. por concupiscência. O futebol perdeu o tesão.
    Lionel Messi salvou a minha manhã (era o teipe de Barcelona contra Mallorca). Foi quase um Messi poético. Por instantes, meros instantes, brilhou. Despontou a genialidade em três ou quatro movimentos. O passe preciso no gol. O gol driblado, negaceado, no baile da ginga, em linha reta feito um poema de Fernando Pessoa e o arremate, com jeito de fuzilamento. Para 'comemorar' a Memória (10), escolhi um texto sobre Messi para republicar. Ah, foi desanimador ver Arthur. Burocrático, previsível, acomodado. Nem lembrava o dono do tempo e espaço de Grêmio. As noitadas da Catalunha despertam prazeres, amores, festas. Não tiro a razão de Arthur. A vida é para ser vivida.  Porém, é cedo para abandonar o futebol, Arthur!

    Pegadinha do Messi



    Mauro Pandolfi

    Pênalti é o gol anunciado. O narrador já prepara a garganta. O torcedor fica em pé.  Ou, ajoelhado, rezando por um milagre.  Onze passos e nenhum segredo. Chute forte no canto, é gol! Há a cavadinha. Delírio poético, sádico, cruel. O pênalti é um fuzilamento. A rede não é de proteção.  O matador está  pronto. Caminha, corre, chuta...., chuta? Gol! Não um gol comum.  Uma linha de passe. O toque curto para o lado. Goleiro desaba, torto, sem jeito. O parceiro entra sozinho, toca macio e a bola, suave, dorme na rede. Que pênalti foi este Messi? Poesia ou cinismo? Arte ou maldade? Sublime ou humilhação?  Ou, o teatro de grama e paixão é mais burlesco do que épico?.
    Um lance repetido. Não sei se como farsa. Johan Cruyff e Jesper Olsen fizeram isto. Lá longe, muito longe, no século passado. Cruyff toca para o lado. O goleiro atordoado corre. Olsen devolve para o astro. Ele, com o gol vazio, marca. Mais um numa goleada do Ajax. Cruyff brincou com a seriedade, o conservadorismo, o eterno mesmo do jogo. Tirou a fatalidade do lance. Revelou que o futebol é mesmo uma brincadeira de meninos que curtem a vida adoidado.
    Lionel Messi é um poeta que escreve versos com a bola. Líricos, abusados, épicos. Ora, rima com Neymar. Outras, explode em um monólogo insuperável. Neste domingo, reinventou o pênalti. Olhou o goleiro. Parou! .Transformou o verso comum, burocrático num hai-kai: A bola flutua mansa. Tocada, bailada, rebola. Na rede feito dança.



Nenhum comentário:

Postar um comentário