segunda-feira, 22 de junho de 2020

Memórias...(9)

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    "Todas as coisas tem o seu mistério, e a poesia é o mistério de todas as coisas"
    Federico Garcia Lorca e Andrés Iniesta tem muito em comum. Catalães e poetas. Lorca usou as palavras. Iniesta, a bola. As palavras custaram a vida de Garcia Lorca. A bola reverencia a arte de Iniesta. O mistério das palavras e da bola não são para todos.

    Mauro Pandolfi


    Tenho inveja do talento dos amigos que transformaram a quarentena em literatura. Inspirada literatura! Que Chiko Kuneski era um ótimo poeta, já sabia. O que não desconfiava era a verve musical. Lírico, lúdico, seus poemas foram feitos pedindo uma música para acompanhar. Precisavam ser cantaroladas, assobiadas. Achou um ótimo parceiro. Ficaram sofisticadas, sem perder a originalidade popular. Ninguém é Chiko à toa! As crônicas sempre foram o forte do Paulo. Emocionais, flertando com um sentimento que te comove e, às vezes, deixa o teclado molhado. Fala dos filhos, de seus país, declarações amorosas a doce Rosana, desejos, com um olhar sempre otimista, esbarrando numa auto ajuda que alivia a tensão. Uma crônica sua foi escolhida para fazer parte de uma coletânea nacional.Talentosos estes dois amigos! Como dizem, fizeram do limão uma capirinha. Chiko entrou com a cachaça e o Paulo com açucar. Eu apenas bebo em homenagem a eles.
    Neste tempo sombrio, que corteja o fascismo, procurei a luz. Li 'Bodas de Sangue', de Lorca, para entender a origem do fascismo, a dor, a crueldade. Belo e encantador livro! Busquei o 'novo' futebol para amenizar o coração. Achei frívolo, frio, sem alma. Nos jogos do passado descobri que a fantasia vai além dos raros dribles. O talento é mais imaginado, contado do que real. Senti saudade de Andrés Iniesta. Do jogo geométrico, pensado, instintivo, sublime. Não vi nem no passado e nem no novo. Iniesta parece ser único. Repúblico um texto onde revelo o meu encantamento com Iniesta.


    Geometria

    Mauro Pandolfi

    A bola rente a lateral. Coman está cercado. Sem espaço.  Gira o corpo, o pé raspa suave na bola. Ela rola macia. Escapa. Um drible de playstation. Nada aconteceu. Só a beleza estéril do lance. Cena do futebol atual. Iniesta recupera a bola em seu campo. Está no lado esquerdo do campo. Cabeça erguida, flutua em toques. Para lá, para cá. Os passes trocados são medidos. Tudo acaba no gol de Morata. Lance do futebol de hoje. Nunca o futebol foi tão bem jogado como neste tempo. Todas as valências em campo. Técnica, habilidade, organização tática, força física, inteligência, poder mental. Jogos fantásticos, épicos, espetaculares. Não é mais esporte.  É entretenimento, um show de vida, fantástico. Nunca foi tão arte como agora. A Eurocopa revela isto. Pena que futebol no Brasil permanece preso ao passado que nunca passa.
    A geometria do jogo me encanta. As linhas dançando.  Matemática e balé.  O espaço ocupado, reduzido, mínimo. Os triângulos são formados. Escalenos ou isósceles. A bola flutua no campo, jogo tocado. Intenso em velocidade. O passe é a inteligência do jogo. Tudo desenhado numa prancheta. Ensaiado, treinado, repetido. O poder mental que acredita no que foi planejado. O coletivo não anula a individualidade.  Salienta. O improviso, o drible, o  chute reforçam o esquematizado ou anulam tudo.  Este jeito de jogar é de agora? Ou, o futebol sempre foi assim? Não sei! Acredito, apenas, que o futebol é a melhor invenção da humanidade
    Organização.  É o melhor signo do futebol moderno. Equipes bem estruturadas tornam o futebol um jogo de inteligência.  Ocupação de espaço, controle da bola, eficiência defensiva e finalização eficaz.  As linhas móveis, recomposição, a rapidez das peças, a inversão do jogo. Mais pensado do que instintivo.  Às vezes, pensado demais. Calculado demais. A Eurocopa é uma ótima visualização do moderno. Todas as seleções tem um padrão. Seguem à risca. Vence quem possui as melhores individualidades.  Um Messi, um Pelé, um Garrincha, um Neymar, um menino que ama o futebol, usa o instinto que vem da alma, e  rasga a prancheta com dribles, gols, passes. É a magia da bola.
    Iniesta  e a bola. Um nômade em campo. Gosta do vazio. Sempre solto, longe dos marcadores. Joga na frente. Joga atrás.  É dono do meio-campo. Essencialmente tático. Um toque é suficiente. Dois é o exagero que vira genialidade. Descobridor de atalhos. Infiltra-se nas linhas adversárias aos dribles ou com passes medidos. Iniesta é o retrato do moderno. A bola e Iniesta. Um estilista. Cabeça erguida. Passos contidos. A velocidade é uma extravagância.  Quem corre, em demasia, é a bola.  Estabelece o ritmo.  O maestro. Cadencia ou acelera. Iniesta é a cara do antigo. Moderno ou antigo? Eterno!. Nunca foi, dificilmente será, escolhido o melhor do mundo.  Mas, Iniesta é o futebol.



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