"A Saudade é por quem vivo apaixonado desde que envelheci..."
Estou
desconfiado que o futebol não vai sobreviver a este isolamento. Quem
sabe a saudade, cantada como beleza por Catulo da Paixão Cearense,
mantenha vivo a paixão. Acho que sobrará apenas o teatro.
Mauro Pandolfi
Não
gosto de rever muitos jogos do Grêmio. Aqueles que estão marcado na
alma, escapo sempre. Escapava! Tenho o vídeo, o filme e nunca tinha
revisto a Batalha dos Aflitos. Temia pela emoção. Ficava com medo de o
coração explodir, como quase explodiu naquele novembro de 2005. Mas,
distraído, sem nenhuma série para acompanhar, descubro o jogo.
Relutei, fiz um zap rápido e resolvi encarar, num ato de bravura, um dos
meus 'fantasmas'. Deixei o floral de lado junto com lenço. Vou chorar! O
jogo foi passando, a emoção não chegava, tranquilo, sereno demais, não
aconteceu nada. Foi só um jogo. O encanto da grande vitória quebrado em
múltiplos pedaços. Não fiquei frustrado e nem perplexo. Apenas,
indiferente. (I)Mortal indiferença!
Só sobrou Renato
em outros dois jogos que revi. Contra o Penharol, na decisão da
Libertadores, um horror. Que jogo feio, sem graça, sem ritmo. A única
poesia foi Renato. O balaõzinho, o chutão no alto rumo ao infinito que
encontrou a cabeça do César. Magnífico, Renato! Contra o Hamburgo, uma
partida mais qualificada. O Grêmio com a sua força e outra vez, Renato,
Entendi toda idolatria, a minha inclusive. Lamentoi que Renato não foi o
que poderia ter sido. Não sei o que atrapalhou a genialidade. O homem
que preferiu ser um jovem comum e festeiro? O que preferiu ser feliz em
vez de lenda (além do Grêmio!)? Não sei se Renato poderia ser um
Cristiano Ronaldo. O Mário garante que sim. A vida tem as suas escolhas,
seus caminhos, seu destino. Assistindo estes Grêmio todos, o melhor é o
Grêmio desenhado por Roger, lapidado por Renato. Eles inventaram o
futebol no Grêmio. Será que sobrou esta saudade?
Não
vi nenhuma partida inteira nesta volta do futebol. Não consegui. O
coração e alma rejeitaram. Dez minutos, busco um filme, uma série,
qualquer coisa que me afaste do jogo. Não é o futebol que me encantou,
que virou paixão, que me faz escrever e sonhar. Não lembra de vida ou
festa. Me parece um escape contra a morte. É necrofutebol! Me disseram
que tudo tem começo e fim nesta vida. Talvez, o fim chegou. Meu amigo
vidente cego, Rai Carlos, disse uma vez que 'paixão nunca termina.
Apenas se esconde!' O tempo vai me revelar. Enquanto isto, republico uma
crônica apaixonada por este jogo.
O teatro de grama e paixão
Mauro Pandolfi
Não
gosto de esporte. Gosto de futebol. Futebol não é, mais, um esporte.
É teatro de grama e paixão. A vida é representada, vivida,
repartida. Tudo está lá. O drama, a comédia, o amor, o mistério, a
aventura, os enganos, os desencontros, o terror, a esperança, o sonho.
Tudo contado em atos. Nem sempre bem separados. Às vezes, tudo junto.
Quase nunca misturados. Atores e públicos são parceiros, ou rivais, em
cena.
O primeiro ato. Vem em bandos. Trazem bandeiras, trapos, tambores e painéis com os rostos dos heróis. Os cantos são desafios bem embalados por um 'coral' afinado. De guerras ou de apoio. Dispostos a tudo. Fundamentalistas da paixão. Há o que chega sozinho. Solitário no silêncio. Aos poucos, descobre o grupo nos gritos, nas vaias, na festa. O soar do apito. Assim começa o teatro de grama e paixão.
O primeiro ato. Vem em bandos. Trazem bandeiras, trapos, tambores e painéis com os rostos dos heróis. Os cantos são desafios bem embalados por um 'coral' afinado. De guerras ou de apoio. Dispostos a tudo. Fundamentalistas da paixão. Há o que chega sozinho. Solitário no silêncio. Aos poucos, descobre o grupo nos gritos, nas vaias, na festa. O soar do apito. Assim começa o teatro de grama e paixão.
O
segundo ato. O campo, o jogo, os times. A bola rola. Troca de passes. O
jogo estudado feito um ensaio. O posicionamento lembra a marcação de
uma peça. Flui em diálogos, os passes. Ou, um monólogo, o drible. O jogo
vai crescendo em intensidade. Os murmúrios da plateia exige uma outra
postura. A agressividade vai substituindo o riso, a diversão. Fim do
segundo ato.
O
terceiro ato. A pressão da vitória, o grito pelo gol, o desespero pelos
erros de passes geram um drama que vai crescendo com o passar do tempo.
Os olhares são de aflição. O torcedor tem o medo da derrota, do
fracasso que é o seu parceiro diário. O jogo tem um segredo, um enigma.
Decifra-me ou te devoro? Os enganos e os desencontros surgem na
tentativa de descobrir a saída. A bola vai alta, longe, dispersa. Até
que alguém descubra a magia. Decifre e crie a alegria do teatro. A
plateia explode em êxtase no gol. Fim do terceiro ato.
Epílogo.
O trilhar do apito. O suor, as lágrimas, os risos, os abraços, a festa,
a derrota. O jogo não termina aí. O teatro de grama e paixão continua.
Às vezes, como farsa. Outras, como epopeia. Um jogo de futebol tem a
duração da eternidade.
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