"São curtos os limites que separam a resignação da hipocrisia".
Acho
que ultrapassei os limites que o escritor espanhol Francisco de Quevedo
estabeleceu. Em nome de uma paixão, que parece adormecida, resignei a
coerência e a transformei em hipocrisia.
Mauro Pandolfi
Ao
preferir ver o Grêmio em vez de um filme a convite do André, ouvi uma
resposta que me desconcertou. "Você é contra a volta do futebol durante a
pandemia. Então, não deveria assistir o jogo. Tem que ser coerente, pai!
Ideias, palavras, só valem com a prática". Meu único argumento foi a
paixão. O amor descoberto aos sete anos, tornou-se 'vício', trabalho,
até terapia, motivo para escrever como fuga da louca sanidade deste
'estado de sítio' necessário da vida. O André foi gentil comigo ao falar
em 'coerência' e não em hipocrisia. Vi o jogo. Um belo jogo! Assisti em
silêncio, sem nenhum gesto de torcedor, nem no grito de gol, nem no
desespero do empate, sem críticas ao Renato. Faltou tesão ao ver a bela
camisa tricolor ocupando toda a tela. Não sei se a frase balançou os
meus conceitos, se foi a 'hipocrisia', se o exílio forçado, se a vida
banalizada, se a tristeza flertando com a depressão, senti a paixão
desmoronada, destruída, sufocada. Sobrou só o teatro de grama.
Lembrei
do meu velho amigo Rai Carlos, o vidente cego, ao 'perder' a paixão
pelo Grêmio. Quando falávamos de amores, Rai lembrava da primeira
paixão. 'Nunca acaba. Ressurgia forte ao sentir outra paixão se
formando. Sempre se impunha. Foi assim durante muito tempo em vida. Até
que um dia, a neutralizei. Estou livre, pensei. Era só um engano. Estes
dias, ao escutar sua voz, a paixão explodiu. Estava escondida, guardada
em algum ponto da alma, para aparecer feito uma emboscada', filosofava
em meio aos goles de gim nas madrugadas de outro tempo. O Grenal será o
sinal da paixão sufocada? Vou desafiar a minha 'hipocrisia', pensei.
Quarta-feira,
ligo a tevê para a sessão de terapia. Descubro que será no Premiére. O
meu fracasso financeiro me obrigou a cancelá-lo no final do ano
passado. Paciência! Resolvi assistir Cricíuma e Chapecoense. Triste.
Muito triste. Lamentável o futebol daqui. Obsoleto na ideia, obtuso na
realização, medíocre no ato. Parecem ter uma organização defensiva. É um
engano. É só uma retranca. Os ataques dependem da ação individual. E,
aí, faltou talento. A decadência do futebol catarinense não tem nenhuma
elegância. Passei para o derbi paulista. Se resisti trinta minutos com a
partida daqui, aguentei quinze minutos na final de lá. Faltou tudo. Da
inteligência tática até a habilidade. Um futebol tosco, precário.
Entendi a opção do Flamengo pelo auxliiar de Pep Guardiola. O clássico
de São Paulo mostrou o velho treinador bolorento e o novo técnico sem
coragem. Não entenderam que o jogo pede beleza, arte, entreterimento e não
só resultado. Nem a 'hipocrisia' resistiu.
Desliguei
a tevê, liguei o rádio para ouvir o Grenal. O quarto no escuro, tirei
os óculos, virei para o lado e dormi. Acordei com os 'gritos' do
narrador falando das expulsões de Orejuella e Patrick. Vi o placar, o
bom do rádio no facebook, que há uma tela com as informações do jogo,
estava dois a zero para o Grêmio. Escutei até o final. Gostei da
vitória! Esbocei um sorriso, uma leve alegria surgiu na alma. Era a
paixão? Não! Foi só uma piscadela de um flerte.
O
jogo de domingo acabou ao mesmo tempo do filme do André. Nos encontramos
no corredor. Nos olhamos em silêncio. Não foi preciso falar nada.
Velho, na reta final da vida, entendi a lição do jovem que começa a
vida. E, feliz, percebi que o André será um homem melhor do que eu. E,
tomará, com mais sorte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário